Gramática. Palavra que vem do grego grammatiké e significa a arte de escrever bem. Na acepção romana, por sua vez, essa arte foi incorporada pela palavra literatura e compreende uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem.

Com o passar do tempo, essa ciência que tinha como objetivo fazer alguém ler ou escrever bem, ganhou dinâmica própria e se tornou independente da literatura, tornando-se mais árdua e parecendo descolada da realidade, pois mais lembrava um conjunto de regras que era preciso guardar para escrever.

Isso acabou por tornar desinteressante o aprendizado da gramática. Cada vez mais desinteressante, maçante e difícil, essa disciplina que, para os escolásticos, era a mais básica de se aprender se transformou em um verdadeiro enigma para seus aprendizes. Seus mestres se tornaram os únicos detentores do saber, como se vê no poema Aula de Português, do grande poeta Carlos Drummond de Andrade:

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

Publicado na primeira obra de Drummond (Alguma poesia), o poema nos mostra claramente como, já nos idos de 30 do século XX, a gramática era considerada difícil e destinada a apenas alguns iluminados como em Professor Carlos Góis, ele é quem sabe / e vai desmatando / o amazonas de minha ignorância.

Para o poeta, a Gramática é vista como algo esquisito, antipático e, por isso, o atropela, aturde, sequestra. É quase como um mistério a ser decifrado. E tal visão parece ser a de muitos até hoje que veem essa disciplina como algo quase impossível de ser aprendido e apreendido. E muitos ainda veem assim.

E o problema se encontra no sistema de ensino que define a forma de se abordar a questão gramatical. É o que se vê na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino de Língua Portuguesa, no Ensino Fundamental, sobre Gramática:

Os conhecimentos grafo fônicos, ortográficos, lexicais, morfológicos, sintáticos, textuais, discursivos, sociolinguísticos e semióticos que operam nas análises linguísticas e semióticas necessárias à compreensão e à produção de linguagens estarão, concomitantemente, sendo construídos durante o Ensino Fundamental. Assim, as práticas de leitura/escuta e de produção de textos orais, escritos e multissemióticos oportunizam situações de reflexão sobre a língua e as linguagens de uma forma geral, em que essas descrições, conceitos e regras operam e nas quais serão concomitantemente construídos: comparação entre definições que permitam observar diferenças de recortes e ênfases na formulação de conceitos e regras; comparação de diferentes formas de dizer “a mesma coisa” e análise dos efeitos de sentido que essas formas podem trazer/ suscitar; exploração dos modos de significar dos diferentes sistemas semióticos etc.

Um parágrafo depois, vejamos a proposta ainda na BNCC:

Cabem também reflexões sobre os fenômenos da mudança linguística e da variação linguística, inerentes a qualquer sistema linguístico, e que podem ser observados em quaisquer níveis de análise. Em especial, as variedades linguísticas devem ser objeto de reflexão e o valor social atribuído às variedades de prestígio e às variedades estigmatizadas, que está relacionado a preconceitos sociais, deve ser tematizado.

Neste caso, há uma abordagem que coloca a gramática sujeita a uma visão de língua baseada em um criticismo que não leva a criança ou o adolescente a entender o que está sendo aprendido, pois o aprendizado está totalmente enviesado, pois serve a uma visão de ensino errônea.

Vale lembrar que o Ensino Fundamental tem como estudantes justamente aquelas crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos. No latim fundamentum significa base, alicerce e o que se vê, ao se ensinar a língua dessa forma, é justamente o contrário. Tal escolha reflete a total falta de sincronia com o amadurecimento mental e linguístico dos alunos, como aponta Benedetti1.

A perspectiva dos “usos ou funções sociais” da escrita obscureceu e diluiu a natureza real da alfabetização e transformou a prática pedagógica alfabetizadora numa miscelânea de atividades de “uso social da escrita”, ao invés de priorizar os aspectos estruturais da língua ou as tarefas cognitivas implicadas em sua aquisição (desenvolvimento da consciência fonológica, compreensão do princípio alfabético e automatização da decodificação grafema-fonema), denominados, agora, pejorativamente de aspectos “mecânicos” e “conteudistas”.

Contrários a esse tipo de ensino gramatical, propomos uma nova forma de enxergar esse conhecimento: como uma forma de organizar nossa vida, nosso modo de expressão e possibilitar-nos sermos entendidos por quem quer que seja. Buscamos um ensino significativo, não enviesado, respeitando a maturidade dos alunos e suas demandas, sem politizar o ensino e sem transformar algo tão belo e importante em um conteúdo detestável e insignificante para a maioria dos que o estudam.

Um breve estudo da fonética

A palavra fonética vem do grego phoné, que significa som, voz. Sua inserção como termo da ciência data do século XIX e busca estudar os parâmetros articulatórios e os correlatos físicos e perceptuais da fala.

Parecida a ela é a fonologia, que investiga o conhecimento gramatical que os falantes têm de sua língua a partir dos sons. Entendamos, portanto, como a fonética influencia em nossa vida e sua importância como disciplina de estudos

Uma disciplina pouco estudada

Quando qualquer estudante de Letras precisa estudar a fonética, fundamental para o bom conhecimento da língua, ela é praticamente esquecida na prática diária das escolas, que têm como foco o letramento. Isso ocorre por causa de uma visão equivocada de língua que a vê como:

(...) um sistema que tem como centro a interação verbal, que se faz através de textos ou discursos, falados ou escritos. Isso significa que este mesmo sistema depende da interlocução (inter + locução = ação linguística entre sujeitos). Partindo dessa concepção, uma proposta de ensino de língua deve valorizar o uso da língua em diferentes situações ou contextos sociais, com sua diversidade de funções e sua variedade de estilos e de modos de falar. Para estar de acordo com essa concepção, é importante que o trabalho em sala de aula se organize em torno do uso e que privilegie a reflexão dos alunos sobre as diferentes possibilidades de emprego da língua. Isso implica, certamente, a rejeição de uma tradição de ensino apenas transmissiva, isto é, preocupada em oferecer ao aluno conceitos e regras prontos, que ele só tem que memorizar, e de uma perspectiva de aprendizagem centrada em automatismos e reproduções mecânicas. Por isso é que uma adequada proposta para o ensino da língua deve prever não só o desenvolvimento de capacidades necessárias às práticas de leitura e escrita, mas também de fala e escrita compreensiva em situações públicas (a própria aula é uma situação de uso público da língua).

Neste trecho, vemos algumas considerações sobre língua completamente descabidas. A primeira delas é que uma proposta de ensino de língua deve valorizar o uso da língua em diferentes situações ou contextos sociais, com sua diversidade de funções e sua variedade de estilos e de modos de falar.

Por trás desse discurso que, em um primeiro momento, parece ser bastante plausível e até credível, existe um discurso político de que a língua é plural e que não existe certo nem errado como bem aponta Marcos Bagno2.

A noção de “erro”, em língua, tem a mesma origem das outras concepções de “certo” e “errado” que circulam na nossa sociedade. Assim, é bom lembrar logo de saída que todas as classificações sociais de “certo” e “errado” são resultantes de visões de mundo, de juízos de valor, de crenças culturais, de ideologias e, exatamente por isso, estão sujeitas a mudar com o tempo.

Essa concepção impede que o falante tenha certeza sobre os eventos da língua. Em que pese ser importante não se discriminar alguém por seu modo de falar, não se pode dizer que a noção de certo e errado é meramente um componente cultural, uma vez que nega toda a capacidade humana de se organizar para poder viver em sociedade.

Outro problema é a escolha por um ensino mais crítico, reflexivo e não baseado em automatismos. A afirmação – que pode conquistar em um primeiro momento – nega o conceito de mimesis¸ uma imitação natural no ser humano que aprende, não apenas de forma consciente, mas, principalmente, por imitação. Assim, a imitação e a repetição trariam o automatismo necessário para que se adquirisse uma língua e a colocasse em execução. Por isso mesmo, a existência de estruturas vocabulares e linguísticas é importante. A reflexão sobre o falar só vem depois de se conhecer o que se aprendeu. Como se refletir sobre o que não se conhece?

A influência da fonética em nossa vida

O modo como falamos, mais natural, é aprendido por meio da imitação de nossos pais e das pessoas a nossa volta. E isso nos garante a possibilidade de interagirmos com os que nos cercam sem qualquer problema.

Porém, mesmo em um mundo tão informatizado e visual, o texto escrito se prende a uma forma de se expressar menos natural e que obriga o usuário da língua a se preparar de forma adequada para ser entendido. E isso passa pelo conhecimento fonético. Como?

Conhecer os sons da língua é mais que importante; é fundamental para se entender a língua e escrever bem. São eles que formam as palavras que, em sua forma escrita, nada mais são, como bem expressa Bechara3 um:

[...] Sistema convencional dessa oralidade chamado sistema ortográfico ou ortografia. Esse sistema se regula, geral, ora pela fonética, ora pela fonologia.

Como se vê, a letra é uma representação gráfica do som, portanto não haverá, como muitos gostariam, uma conformidade entre letra e som.

Assim, convém ensinar ao aluno primeiramente os sons da língua para que eles se lhe tornem familiares e, depois disso, mostrar-lhes como esses sons ocorrem.

Vejamos, portanto, o conceito de Coutinho4 sobre vogais:

As vogais são fonemas produzidos pelas vibrações da glote, e que passam pela boca, sem encontrar obstáculo. Os físicos e fisiologistas atuais consideram as vogais “timbres de uma nota laríngea, modificados pelas cavidades faringo-bucal e nasal; conforme essas cavidades amoldam as suas partes de um modo ou de outro para reforçarem o som fundamental, assim se forma esta ou aquela vogal.

A definição fisiológica é inacessível para qualquer aluno, mas a explicação de som que passa pela boca sem obstáculo é bastante acessível e seu ensino pode ser mais prático e claro para que o aluno se perceba e conheça melhor seu aparelho fonador.

A transposição para a escrita, por sua vez, depende de um conhecimento de conceitos fonéticos que passam a fazer sentido quando demonstrados na prática, mostrando sua razão de ser na escrita, uma vez que as sílabas nada mais são que a união de sons em uma única emissão sonora. Assim, a Fonética tem muito a iluminar o aprendizado, caso se aprenda seguindo a seguinte ordem: sons – sílabas – palavras – leitura – significado.

Caso essa ordem seja alterada colocando o significado na frente, todo o processo de aprendizagem será desconstruído e o discente tenderá a se perder e se tornar cada vez menos proficiente em sua língua.

Notas

1 Benedetti, Kátia Simone. A falácia socioconstrutivista: por que os alunos deixaram de aprender a ler e escrever. Campinas: Kirion, 2020.
2 Bagno, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
3 Bechara, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Lucerna, 2009.
4 Coutinho, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1977.