Em novembro do ano passado, eu lancei o meu primeiro livro não acadêmico: Em paz com os ciclos, uma jornada de autocuidado da menina à mulher. O livro é dirigido às educadoras e cuidadoras de adolescentes, às jovens adultas e às adolescentes que sentem vontade de conhecer o ciclo menstrual com maior aprofundamento do que o que a escola e o senso comum oferecem. Principalmente, eu quis oferecer às pessoas com útero uma perspectiva holística que contemplasse a relação de cada uma com o seu corpo e a nossa relação como seres entre outros seres, habitantes da Terra.

Dessa forma, o livro trata da fisiologia do ciclo menstrual a partir das ferramentas explicativas da Ciência, mas o que eu chamo do solo fértil do livro são os ensinamentos não científicos, no sentido estrito. Afinal, a nossa curiosidade pode ser direcionada a partir das observações da experiência direta, como a experiência quando respiramos, nos alimentamos, sentimos e prestamos atenção nestes processos internos, mas que sempre são mediados pela nossa relação no mundo.

O solo fértil do livro é formado pelos ensinamentos da vida, que tratam das nossas emoções; do que nos deixa triste ou nervosa, das nossas condições fundamentais para crescer e mudar a perspectiva sobre o que nos acontece, no ciclo menstrual inclusive. Para o autocuidado que eu proponho no livro, as informações científicas contribuem até um certo ponto, porque o protagonismo das ações e reflexões é da leitora, convidada a convidar a si mesma à escuta e à observação. Uma atitude reflexiva, porém, não intelectualizada.

Um dos aspectos do livro trata da nossa existência no mundo desigual onde as mulheres, principalmente as mulheres negras, apresentam sobrecarga física e emocional associada a uma herança histórica de exercício do cuidado com outras pessoas e pouco espaço (e tempo) para viver o próprio prazer. Então, o autocuidado, muito além de ser um cuidado com a beleza, é sobre acessar uma sensação de bem-estar mais profunda e mais presente, quando oferecemos a nossa atenção ao que queremos e necessitamos, verdadeiramente.

O ciclo menstrual trata, também, do ciclo das emoções. Algo já foi referido, de forma pejorativa, com relação ao estado emocional das mulheres na tensão pré-menstrual. Ressalto que as mulheres têm muito pouco espaço para manifestar as emoções e comumente se recolhem para vive-las. Não há nada errado em se recolher para viver as emoções se não fosse a vergonha com que a mulher se reserva. A mulher se sente inadequada quando não está a serviço de outras pessoas, quando não é vista e apreciada, quando não cuida da casa, dos filhos e do companheiro, quando pensa em si mesma em primeiro lugar, algo que os homens fazem por default. Ao nos reconhecer parte da natureza, também reconhecemos o tempo cíclico nas nossas vidas. Não é novidade que os dias se repetem, as estações do ano e o ciclo de nascimento e morte. O nosso sofrimento também se repete. Podemos sofrer por outros motivos, mas sofremos por repetir o mesmo padrão de ação e pensamento.

Apesar de apresentar bases do Yoga no livro, eu não apresento o ciclo das ações (o ciclo do karma) conforme apresentado por Patanjali, autor da obra Yogasutra. E acrescento que estar em paz com o ciclo menstrual pode ser mais fácil do que estar em paz com o ciclo do sofrimento, que também é o ciclo das ações.

Basicamente, devemos estar atentas às nossas motivações ao agir – e agir pode ser unicamente observar. Se a sua motivação é alguma aflição mental (que Patanjali chama de klesha) a sensação derivada da ação não será agradável. Caso a sua motivação não esteja relacionada a uma aflição, a sensação derivada da ação poderá ser de contentamento. Tudo o que fazemos em estado de calma, em estado de yoga, tende a gerar frutos que serão saboreados, não por você necessariamente, mas por quem deles se servir.

Eu lembro de momentos de paz a saborear a organização do meu pensamento através da escrita. Ao refletir sobre qual foi a minha motivação para escrever, lembro da minha identificação com outros/as autores a partir da leitura desde a infância. Afinal, eu escrevi um livro porque outras pessoas escreveram antes e me mostraram outras perspectivas de vida.

Como canta Caetano Veloso, na música Livros, um livro é o que pode lançar mundos no mundo. O meu olhar direcionado às palavras escritas formaram mundos para mim. Ao escrever, eu poderia lançar, em retribuição, um pouco do mundo que eu criei.

De fato, eu sinto um sincero agradecimento aos autores por terem dividido o que sabiam e o que sentiam através da tecnologia escrita e estendo o meu agradecimento a todo o percurso que se fez até que eu pudesse ler, e ler o livro com consciência do valor e importância que eu dedico ao Conhecimento – Conhecimento de mim mesma, primeiramente.

Observo que um livro pode tomar corpo e assumir vida própria. Para usar a metáfora favorita de crescimento de sonhos, se ele germinar da semente à planta, flor, fruto e outra semente, a minha participação terá sido inicial, mas outras mãos, outros olhos e outro tempo podem fornecer as condições para a sua continuidade.

Em muitos sentidos, eu considero o livro uma mensagem dentro da garrafa, que está aberta a quem quiser abrir, uma mensagem de amor à vida e seus mistérios, de quem vive para quem vive. Se for útil para você, leitor e leitora, receba esse bilhete e esse convite. O livro Em paz com os ciclos trata de informações quentes e frescas e, ao mesmo tempo, é um lembrete do que sabemos e esquecemos: a nossa conexão com a natureza.