O Jiu-Jitsu brasileiro é uma arte marcial de grappling introduzida no Brasil por Mitsuyo Maeda e aprimorada pelos patriarcas da família Gracie. Traduzida literalmente como “a arte suave”, o BJJ, sigla para Brazilian Jiu-Jitsu, é um esporte onde o oponente mais fraco pode derrotar o mais forte utilizando estrangulamentos, alavancas e imobilizações. Além disso, essa luta também pode ser útil para a defesa pessoal, já que, com golpes simples e bem executados, os praticantes podem se livrar de situações de perigo, como assaltos, episódios de violência e sequestros.

Já se sabe que a atividade esportiva tem um papel fundamental na prevenção das doenças seja pela melhoria na qualidade de vida e nos aspectos físicos ou pela liberação de hormônios como a dopamina, a endorfina e a serotonina, que são capazes de estabilizar os neurotransmissores e aliviar os sintomas de depressão e ansiedade. Ademais, com a prática regular de esportes, nota-se uma significativa melhoria das funções cognitivas dos indivíduos, como a memória, a atenção e o equilíbrio emocional.

Segundo Testa1, no jiu-jitsu brasileiro, os combates exigem uma alta concentração e agilidade por parte dos adversários, uma vez que, por ser uma luta de contato, o lutador deve estar sempre concentrado aos movimentos do oponente pois as jogadas, quando bem articuladas, definem a vitória ou a derrota na competição.

O BJJ é um importante disseminador de valores para sociedade pois nos seus ensinamentos prevalece a hierarquia definida sempre pela experiência de seus praticantes, não importando a raça, a cor, a idade ou a profissão destes. Dentro do tatame, normalmente, o lutador com maior grau (geralmente, definido pela faixa preta) é o “sensei” ou professor, seguido de outros combatentes com as faixas marrom, roxa, azul e branca, ambos distribuídos ao redor do espaço de luta conforme ordem de graus e cor da faixa. A tradição ensina que o exercício dessa luta deve ser um instrumento de defesa e nunca de ataque e, em todos os casos, deve-se ter respeito com o oponente, cumprimentando-o antes e depois dos embates, independentemente dos resultados.

Por outro lado, os projetos sociais e de inclusão que são norteados por essa arte marcial constituem um papel importante no desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. No Brasil, várias iniciativas comunitárias foram responsáveis por tirar milhares de jovens das ruas e da criminalidade, contribuindo para uma sociedade mais justa e dando oportunidades para talentos até então marginalizados. O lutador Charles do Bronxs, um dos grandes nomes do MMA, foi introduzido ao esporte através de um programa social e, através deste, conseguiu ascender profissionalmente e colecionar diversas vitórias em seu cartel. Atualmente, ele é faixa preta em Jiu-Jitsu e luta pelo UFC, organização pela qual detém o título de maior finalizador, com 16 vitórias por finalização, no total.

Neste mesmo sentido, em uma entrevista recente, o atual campeão da divisão Peso Pena e dono do Cinturão de 66 kg da Tribo da Luta, evento que acontece anualmente em Paranaíba, no Mato Grosso do Sul, Raphael dos Santos Federice, ou simplesmente Raphael Xucrute conta um pouco da sua trajetória no MMA e como o Jiu-Jitsu foi importante na sua vida.

Comecei a treinar quando eu tinha uns 14/15 anos. Quando eu era criança, eu sofria bullying na escola e apanhava dos meninos mais velhos, então meu pai me colocou no Jiu-Jitsu para eu aprender a me defender, mas eu tomei gosto pelo esporte e fui aprimorando. A minha juventude foi difícil pois a minha mãe sofria de depressão e, por isso, muitas vezes, eu tive que ser o apoio dela e dos meus irmãos. Nesse momento, o pessoal do Jiu e o sensei Radir foram a minha força, porque sem a ajuda deles, talvez eu poderia ter entrado num mundo completamente diferente, um caminho sem volta como as drogas, por exemplo.

Nascido em Auriflama, no interior de São Paulo, o lutador de 29 anos conta que, antes de se tornar referência no esporte, era um garoto impulsivo e, em certos momentos, agia de forma desportiva.

Uma vez discuti com um rapaz numa lanchonete, um motivo bobo, esdrúxulo, mas, meu sensei Radir não me poupou em nada. Quando cheguei para treinar no outro dia, ele me chamou na frente de todos e me deu uma lição que eu nunca mais vou esquecer. Fiquei com vergonha, pois foi na frente de todos os companheiros. Mas ele estava certo, a arte marcial é um instrumento para nos tornar pessoas melhores. Se eu uso ela de maneira errada, que exemplo estou passando para a sociedade?

Raphael, que também é faixa preta de Jiu-Jitsu e professor de Educação Física também teve seus momentos de provação. Em 2019, numa luta acirrada, ele rompeu os ligamentos do ombro esquerdo e teve que “abandonar” o esporte por um tempo.

Eu já era professor e lutei com um rapaz faz uns quatro anos. Acabei arrebentando meu ombro, mas, mesmo com dor, consegui terminar a luta; não fui vitorioso, mas ganhei o título de melhor performance da noite. Depois disso, ficou tudo bem complicado, porque eu estava machucado, não conseguia dar aulas e não conseguia lutar também. Tentei fazer a cirurgia pelo SUS (Sistema Único de Saúde brasileiro) mas não consegui e para fazer no hospital particular, ficava em R$20.000,00 e, eu não tinha o dinheiro. Nunca perdi minha fé, sabia que aquela situação era passageira.

Por obra do destino, ele conheceu um rapaz que era peão de rodeio e, por intermédio dele, chegou a um médico na cidade de Tupi Paulista que cobrava R$6.000,00 pela mesma cirurgia. Ainda sem dinheiro, mas com fé de que Deus poderia restaurar sua saúde e sua vida, Xucrute e os amigos da igreja fizeram uma rifa e, com o dinheiro arrecadado, ele conseguiu pagar o procedimento. “O médico disse que, dependendo da minha recuperação, eu poderia voltar em onze ou doze meses, mas, em nove meses eu já estava totalmente recuperado e pronto para o combate. Depois disso, minha vida só foi melhorando.”

Ainda em seus momentos mais difíceis, nosso querido Xu (como eu carinhosamente o apelidei) pôde contar com a ajuda de seus alunos. “Eles me pagavam mesmo sem eu poder dar aula. Eu pedi a Deus que dez alunos continuassem me pagando para eu poder me manter financeiramente e agora eu já tenho quase cem alunos na minha academia”, diz ele que também é empresário e dono do Centro de Treinamento Xucrute.

Sobre a perspectiva da arte marcial no Brasil, o professor é categórico em sua resposta:

O pessoal diz que o Brasil é o país do futebol, mas eu discordo, para mim, o Brasil é o país da luta. Olha quantos campeões nós temos: Anderson Silva, Cris Cyborg, Marreta, o próprio Bronxs. No judô, sempre tem um brasileiro. O Jiu-Jitsu brasileiro salva vidas e, por isso, temos que incentivar as ações solidárias, para que os jovens possam traçar caminhos diferentes. Às vezes, entra um cara lá no projeto que não vai ser um grande campeão, mas ele pode se tornar professor, pode ser um cidadão melhor, inspirar outras pessoas e impactar de forma positiva na nossa sociedade. Nós só precisamos ter incentivo do governo e das empresas.

Para o futuro, Raphael se prepara para brilhar nos octógonos do mundo. Cotado para lutar no México em 2024, ele agora está correndo atrás da burocracia: tirar o passaporte e o visto enquanto mantém as aulas de Jiu-Jitsu, Muai Thay, Boxe e assessora seus alunos em treinos focados em emagrecimento saudável. Com toda certeza, o futuro deste jovem será brilhante e, em breve, poderemos vê-lo como mais uma grande referência no MMA brasileiro.