Após uma temporada cheia de novos recordes, novos campeões e novos talentos revelados, os olhos se voltam para a janela de transferências que se abre durante o período entre temporadas e férias entre clubes. Os períodos de transferências de jogadores podem variar de país para país e seguem de acordo com as ligas e confederações regionais, há também as regras e multas que regulam esse período que também vão de acordo com a FIFA.

Na Europa, as janelas de verão e inverno são os períodos que há a entrada e saída (compra e venda) de jogadores dos respectivos clubes, logo há negociações que envolvem a maioria dos clubes europeus e boa parte dos clubes de fora da Europa, em sua maioria entre clubes latinos, africanos e asiáticos.

Frequentemente é comum ver jogadores que atuam em clubes e ligas não-europeias se destacarem e trilharem o caminho de irem para um clube de maior destaque, principalmente quando há ofertas de clubes europeus, a maioria dos jogadores que atuam em clubes europeus fizeram este caminho, brasileiros, argentinos, colombianos, nigerianos, senegaleses, egípcios, sul-coreanos, japoneses e tantas outras pátrias.

O fluxo no mundo do futebol tem sido este há aproximadamente 40 anos quando houve as primeiras investidas dos clubes europeus em jogadores não-europeus com o propósito de melhorar e se tornarem mais competitivos. Pouco se vê jogadores fazerem o caminho inverso, mesmo alguns jogadores quando estão já perto de se aposentarem, há uma pequena porcentagem que preferem se aposentar em clubes onde foram revelados ou simplesmente irem para clubes fora da Europa.

Fato é que o futebol se tornou um mecanismo para países que buscam ter uma relevância mundial, impulsionando seus campeonatos ou usando de megaeventos esportivos para capturar a atenção internacional no pré, durante e pós. Devido ao sucesso dos países após terem usado sabiamente este mecanismo esportivo para alcançar suas metas, outros países vêm (incansavelmente) tentando obter o mesmo sucesso, seja ele para obter sucesso e relevância internacional e gerar soft power regional e mundial.

Alguns países optam pelo uso de uma diplomacia branda para garantir uma boa imagem na cena esportiva, fazendo investimentos pontuais e dentro das regras, sem pesar nos valores econômicos. Em outras ocasiões essa busca incansável pelo sucesso estatal faz com que os governos utilizem de mecanismos e ações não exemplares, como é o caso do sportwashing para garantir uma imagem mais limpa ocultando todos os problemas internos, desde casos de corrupção a casos mais graves como a violação dos direitos humanos e da liberdade individual.

Há algum tempo, vários governos totalitários vêm usando o futebol como ferramenta para limpar a imagem em meio ao ambiente internacional, seja comprando ou financiando clubes das principais ligas da Europa, em sua maioria países do Oriente Médio como o Catar, Árabia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Porém, há cerca de duas temporadas a Árabia Saudita têm agido de forma mais evidente e contundente para fortalecer o futebol do país, investindo em jogadores, técnicos, equipamentos, clubes etc. O governo saudita recentemente anunciou que assumiu o controle de 4 dos 5 maiores clubes do país (Al Hilal, Al Nassr, Al Ittihad e Al Ahli) através do Public Investment Fund (PIF) controlado pelo próprio governo. Essa PIF também controlará cerca de 75% dos clubes da Saudi Pro League e com outros 25% destinados a duas organizações sem fins lucrativos. A mesma PIF que controla o Newcastle United da Inglaterra, cujo dono é Mohammed bin Salman.

Essa medida é uma das tentativas de fortalecer os clubes e a liga toda, para trazer mais visibilidade internacional usando o futebol como soft power para ter mais poder e influência no exterior, e futuramente sediar um megaevento esportivo, como a Copa do Mundo, em um planejamento maior de sportwashing completo, como foi o caso do seu vizinho, o Catar.

A medida vigora sob uma série de outros planos e investimentos e o resultado esperado é sediar a Copa do Mundo como dito anteriormente, e o governo saudita tenta cada vez mais dominar a cena esportiva regional. Porém essa medida não é nova e já houve tentativas de implementação e estatização de clubes pelo Japão, e na década passada pela China, mas sem um sucesso absoluto.

A intenção do governo saudita com o projeto é possibilitar até 1 bi de dólares para trazer e contratar pelo menos 15 grandes jogadores e não apenas aqueles que estão em fim de carreira. A contratação de Cristiano Ronaldo na temporada passada foi um pontapé para o início dos planos de contratação, porém o valor desta e de outras contratações chamou a atenção da imprensa esportiva.

Grandes jogadores com boas propostas dentro do futebol europeu foram conquistados por ofertas indecorosas vindas dos clubes sauditas, ofertas de salários que anulam qualquer senso de competitividade entre propostas de outros clubes. Na temporada passada o Al-Nassr trouxe Cristiano Ronaldo pelo salário de €200 milhões por ano, cifras milionárias e inéditas por um futebolista até aquele período.

Entre o final da temporada 2022-23 e a atual temporada 2023-24 que se iniciou em agosto, em média 15 jogadores de grandes clubes e ligas optaram em jogar na Árabia Saudita. Nomes como o vencedor da bola de ouro Karim Benzema que receberá €172 milhões por ano, N'Golo Kanté vencedor da Copa do Mundo de 2018 que receberá por ano cerca de €86 milhões, ambos jogam juntos pelo Al-Ittihad.

Roberto Firmino, Malcom, Fabinho estão na lista dos brasileiros que saíram da Europa para atuarem em clubes sauditas, sendo Firmino o 3° jogador brasileiro mais bem pago do mundo, receberá cerca de €22 milhões por ano. Porém estes salários poderiam ser facilmente ultrapassados por outras promessas de salários milionários de outros jogadores, Kylian Mbappe receberia cerca de €200 milhões por ano, Neymar Jr. receberia cerca de €100 milhões e Lionel Messi receberia a bagatela indecorosa de cerca de €400 milhões por ano caso todos fossem jogar no Al-Hilal.

Outros jogadores que receberam ofertas de grandes clubes europeus preferiram ir para clubes sauditas, nomes como os de Ryhad Mahrez, Kalidou Koulibaly, Allan Saint-Maximin, Rúben Neves, Marcelo Brozovic, Edouard Mendy entre outros. Alguns jogadores conhecidos por apoiarem movimentos LGBTQIA+ optaram pela contradição e irão jogar em um país que oprime estes movimentos, como é o caso de Jordan Henderson.

Técnicos de alto escalão também recebem ofertas indecorosas para treinarem clubes sauditas, José Mourinho recusou treinar o Al Ahli recebendo um salário de €32 milhões por ano, além de outros técnicos que saíram de clubes em meio a temporada regular como é o caso do ex-treinador do líder do campeonato brasileiro Botafogo, Luís Castro que foi contratado pelo Al-Nassr.

Por fim, é fácil compreender que a concorrência é desleal com outros clubes que jogam em ligas com regras de fair play financeiro e tetos salariais, e que isso impacta não somente no futebol europeu, mas sim no futebol de outras regiões, aumentando as investidas, promessas de salários altíssimos, assim provocando a saída de jogadores em alta escala para jogarem no futebol árabe. Embora quebre todo histórico de desigualdade futebolística entre ligas internacionais, todas essas medidas não só da Árabia Saudita mas como do Oriente Médio no geral, é uma das várias tentativas de se acabar com a dependência do mercado do petróleo que a região possui e conquistar um status dominante na região.