'Como fica a produção artística quando os recursos são limitados?' Eu vi essa frase em um vídeo e me fez refletir muito sobre o assunto, é uma pauta muito delicada pois quando se trata de recursos e arte, existe uma polaridade e uma utopia tanto por parte da sociedade quanto no próprio meio artístico.

Algumas perguntas são importantes para termos uma visão clara sobre como a arte e o dinheiro estão extremamente conectados, e como a falta dos recursos pode afetar na produção, por exemplo: Como escolher entre bens essenciais e arte? O que fazer quando sobra algum recurso, guardar para fazer uma reserva de capital ou investir em arte? Como é a produção artística dos artistas que não tem investidores injetando dinheiro nas suas carreiras? De onde vem o capital por trás da arte que você consome? Um artista consegue viver apenas da sua arte? Em que momento a arte deixou de ser trabalho e passou a ser apenas um hobbie?

Na idade média a sociedade era feudal, rural e autossuficiente, ou seja, composta por um rei, clero, nobreza e povo, e nessa ordem de hierarquia e sistema tudo sofria interferência direta da igreja católica, um regime chamado de teocentrista, onde a igreja controla e é o centro de toda a sociedade. Poucas pessoas sabiam ler e escrever, apenas os membros da igreja e nobres eram alfabetizados, por isso, a arte tinha um caráter didático. Pinturas eram uma representação das passagens bíblicas e tinham o intuito de aproximar as pessoas de Deus. Arte que foi marcada pela construção de templos, igrejas, mosteiros e palácios. Desenvolveu-se basicamente na pintura, arquitetura e escultura. Era também neste momento em que a igreja filtrava tudo que era produzido, pois afinal, o investimento para estas produções vinha diretamente da fonte divina, da igreja católica. Na maioria das obras medievais produzidas não é possível identificar a autoria do artista, pois acreditava-se que Deus era o autor de todas as obras e o ser humano era apenas o instrumento, não o autor.

Depois do caos da idade média, vemos o surgimento do renascimento, essa expressão cultural da Europa, que tem como objetivo resgatar os valores da antiguidade clássica da Grécia e Roma antiga, que tirava a religião do centro das produções artísticas. Com essa tentativa e conquista do resgate do passado, onde o homem passa a ser o centro da arte, ou seja, a arte passa de teocentrista para humanista, onde as pinturas passam a retratar cotidianos, a arte passa a ser centrada na razão. Estudos e pesquisas permitiram grandes avanços científicos, foi nesse momento que houve o descobrimento de que a terra é quem gira em torno do sol, e não o contrário.

Neste período também se dá o surgimento da imprensa, o que possibilita a impressão de livros em larga escala, e o conhecimento já não está apenas nas mãos dos nobres e do clero, ou seja, havia informação de forma mais democrática e acessível. Também vemos as Grandes Navegações, que possibilitaram o comércio e expansão de territórios e negócios. É no renascimento que começamos a ouvir nomes como Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Rafael Sanzio, Donatello, Sandro Botticelli e entre muitos outros artistas que foram destaque. Mas então, se na idade média a igreja era quem arcava com os custos de produção da arte, quando a igreja deixa de ser o centro da sociedade, quem paga essa conta?

As famílias nobres e burguesas eram quem financiavam a arte no período renascentista. O berço do renascimento foi na Itália e por trás de Leonardo da Vinci, Michelangelo e Donatello estavam grandes famílias que disputavam a hegemonia de cidades com poder e influência. Um dos nomes mais conhecidos é o da família Médici, que passaram de origens humildes para chegarem a altos cargos da sociedade, incluindo reis, rainhas e papas. O envolvimento da família com a arte começa quando um dos membros da família começa a encomendar arte de diversos artistas (palácios, esculturas, pinturas…). A ascensão da família acontece mesmo quando Lorenzo di Médici, conhecido como O Magnífico, assume o poder da família e por ser muito culto e interessado em arte, ele começa a trazer diversos artistas para Florença, o que fortaleceu a economia local. Alguns anos depois, quando um sucessor da família assume o papado, o investimento em arte passa a ser maior ainda, pois agora, eles contam também com verbas da igreja católica, e passam a encomendar obras de Michelangelo e Sanzio.

Esse breve contexto para dizer que sempre, desde os primórdios da arte, sempre houve investimento por trás de tudo que vemos. Desde épocas antigas na história da sociedade, a arte sempre foi paga, o artista era pago pelo seu trabalho, e que muitas vezes não era tão prazeroso quanto imaginamos. Hoje em dia, essa ideia de fazer arte por amor é muito divulgada, e talvez pelo caráter social que entendemos o amor, também entendemos que deve ser gratuita ou de baixo custo para quem consome.

Com a massificação da informação e também da arte, vemos que a arte em si perde valor, pois um artista hoje em dia, dificilmente vai ter sua obra original comprada, falando especificamente de pinturas. Pois com o acesso à informação muitas pessoas deixam de comprar quadros de artistas que deveriam supostamente receber o justo pelo seu trabalho, para encontrarem uma imagem na internet, imprimir e colocar na parede do seu apartamento, pelo custo quase zero. E como tudo gira em torno do dinheiro, por que gastar mais comprando a arte de um artista local, ou até mesmo de alguém que está em crescimento exponencial, e pagar um preço justo por esse trabalho, quando você pode ter algo para decorar a sua parede praticamente de graça? Acho que é muito sobre isso, a arte deixou de ter o caráter reflexivo e passou a ser objeto de consumo.

Com a massificação da arte surgem então movimentos artísticos que vão criticar esse comportamento de cultura de massa e sociedade de consumo. O movimento em destaque neste caso ficou conhecido como Pop Art e tem como principal característica uso de imagens de cultura popular e tudo aquilo que é de fácil acesso às massas como objetivo principal de criticar e usar a arte de forma irônica.

Em função do movimento Pop Art, nasceu como consequência um movimento chamado kitsh, em que o ponto principal é que surge como uma arte ingênua, mas só podendo existir se estiver lado a lado com a cultura popular e necessariamente a massificação, pois é uma estética que valoriza muito o brega e o mau gosto, objetos do cotidiano que antes eram considerados cafonas tornam-se objetos de decoração e o exagero. São nesses movimentos que vamos encontrar reproduções de quadros da Monalisa em LED, capas de cadernos, posters, a arte deixa de estar apenas em sua forma contemplativa e passa a ser objeto de consumo de uma sociedade que além de não estar feliz, não entende o motivo da tristeza e preenche comprando algo que tape o buraco no peito.

E por esses e milhares de outros motivos é difícil a produção artística quando seus recursos são limitados, pois as pessoas provavelmente vão consumir a arte que a massa consome. Vão comprar a apoiar artistas que nunca nem viram na vida, mas não ir na exposição de alguém próximo ou comprar algum quadro ou pagar pelo trabalho do artista. Porém, amigos artistas e amantes de arte, que possamos iniciar um movimento de apoio aos nossos amigos que também são seus próprios investidores, produtores, vendedores e managers, para que o criemos uma rede de apoio forte que possa sustentar cada um de nós em dias de dúvidas, que seja um ambiente de troca de valores, muito amor e arte!

Acredito que a pergunta para este artigo ainda não tem uma resposta concreta e nem vai ter, pois vai depender de como o artista vai gerir a sua vida financeira, mas de uma coisa eu sei, com apoio sempre vamos mais longe. Que possamos caminhar juntos e nos apoiar uns nos outros na estrada.