There is always some measure of adventure in the meeting of mind and universe, and this adventure is, in its measure, imagination.

(John Dewey, Art as experience, 1934)

[Sempre há alguma aventura no encontro entre mente e universo, e essa aventura é, em sua medida, imaginação.]

(John Dewey, Arte como experiência, 1934)

Como nos chama a atenção Ortiz-Osés (1989: 70), o homem é a morada do mundo, pois o homem é o homo-interpres.

De facto, o homem interpõe-se entre natureza e história porque interpreta. O homem é, em relação dialéctica, intérprete do mundo e interpretado pelo seu próprio mundo, isto é, o Mundo é sempre mundo do homem, quer dizer, mundo habitado, habitável, culturizado. Mas, por sua vez, o homem-intérprete também já se encontra interpretado pelo seu mundo, quer dizer, pela prévia interpretação (linguagem) que ele mesmo realiza no espaço e no tempo. É que, se o homem é o intérprete, é-o através da linguagem, e enquanto intérprete da natureza em história, com ou sem sentido, o homem situa-se num ser e estar no mundo face a uma contemporaneidade, questionando o seu passado e projectando um futuro.

E porque são estas considerações importantes?

Porque esta atitude é fundamentalmente uma atitude hermenêutica. Antes de optar, de escolher, tomar uma decisão, o homem articulou a sua experiência através da linguagem, nomeou a realidade que o rodeia, logo, interpretou e está a ser interpretado na sua circunstância (Ortega y Gasset 1981: 25).

Existe uma experiência auto-interpretativa humana, porque a realidade é sempre uma realidade simbólica (relacional e humana), e o homem tem que assumir o papel de hermenêuta da sua própria realidade, que, por sua vez, se traduzirá numa determinada linguagem, que produzirá um determinado discurso.

A Psicologia da Arte ajuda a compreender a matéria dos sonhos e a própria cultura como metamorfose hermenêutica.

Atente-se, pois, na evidência de que somos sujeitos, ocupando um determinado lugar/espaço no mundo, situados pois na acção, num tempo, com um determinado modo de agir e pensar, isto é, de comunicar com o que está à nossa volta, com uma memória (tempo da narrativa = passado), fazendo história, construindo peripécias… tal como uma personagem de um conto. No fundo, somos seres feitos de linguagem, fazemos escolhas, até com os pronomes (possessivos; demonstrativos; indefinidos) e com o modo dos verbos (conjuntivo; imperativo), e com os adjectivos e advérbios que utilizamos. Todos os dias cruzamos a sintaxe do discurso com a sintaxe da vida. É esta consciência da tridimensionalidade da linguagem que a Psicologia da Arte promove.

O tempo “nasce - como diz Merleau-Ponty - da minha relação com as coisas”. A memória é uma construção. Mais do que uma função mecânica de pura reprodução, a memória é uma função simbólica. Daí que Delacroix expresse este pensamento in Les Souvenirs “a lembrança não é a imagem mas um juízo sobre a imagem no tempo”. Por exemplo, relembrar a Mona Lisa é avaliá-la e associá-la na minha contemporaneidade… assim como lembrar de Alice é associar a imagem de Alice aos valores simbólicos; às maravilhas que ela representa e mutatis mutandis compará-la com os de hoje. É sob o signo da associação de ideias que é colocada essa espécie de curto-circuito entre memória e imaginação (Ricoeur 2004), se essas duas afecções estão ligadas por contiguidade, evocar uma delas - portanto, imaginar - é evocar a outra - portanto, lembrar-se. A memória como recordação, opera assim na trilha da imaginação.

Desde já, queremos introduzir este novo conceito e reforçar a ideia de que a interpretação de uma história/conto poderá ajudar numa auto-interpretação, proporcionando novos horizontes/mundos para o aluno como leitor assim como novas experiências e descobertas (alteridade) para o leitor como co-autor.

Todo este processo conduzirá, não mais a uma heteronímia (remetemos para o conceito pessoano) do ser humano, mas a um assumir de papéis consciente, a uma alteridade que se conquista através de uma interpretação que vai de uma crítica ingénua a uma segunda crítica e não pelo acaso que um determinado contexto pode proporcionar. Daí que possamos dizer que, muito sucintamente, a Psicologia da Arte é um saber interpretar para melhor compreender e daí que uma autocompreensão se torne indissociável de sucessivas auto-interpretações, por sua vez possibilitadas por uma hermenêutica da narrativa. Desse modo, um leitor pode declarar reconhecer-se num determinado personagem e essa apropriação pode assumir uma variedade de formas, passando por estados de fascinação, suspeição, revolta, rejeição, sedução… Aprender a “narrar-se” poderá ser o benefócio dessa apropriação crítica (Ricoeur 2004); sendo que tal pode acontecer numa narrativa visual, auditiva, gestual… sempre simbólica.

Assim, a Psicologia da Arte que pretende aprofundar o auto-conhecimento, que passa pelo crivo da norma, que promove a liberdade, tem que passar pelo confronto com o estranho, pois a Arte para além de levar à descoberta de conflitos, deverá igualmente permitir encontrar uma saída para os impasses e dilemas que a vida apresenta. Deste modo, em termos morais, ao promovermos a liberdade e esse confronto com o estranho, estaremos igualmente a promover a liberdade como auto-legislação, isto é, autonomia criativa. Todo o sujeito é singular, possui a sua história de vida, interesses particulares e é através da linguagem que se irá exprimir, representar o seu modo de ser e estar-no-mundo.

Cabe à Psicologia da Arte desenvolver a função imaginativa e estimular a capacidade de interpretar e seleccionar símbolos que manifestem a expressividade psicológica nas mais diversas obras de arte.