É necessário compreender que a imaginação é uma aventura no campo da percepção e ter em conta que assim como o autor-narrador-sonhador fala ao mundo, também esse mesmo mundo vai fazer o sujeito leitor-co-autor entrar numa aventura de bem-estar, de correspondências, e por último, de metamorfoses; o mundo do texto fica contaminado pelo nosso olhar.

Ainda relembrando Ricoeur, o discurso projecta um ser e estar-no-mundo onde nós sujeitos leitores, co-autores, podemos ser e estar de muitas maneiras, inclusive cruzando a nossa alteridade com a alteridade que o próprio texto proporciona, através do método hermenêutico.

Será, então, esta possibilidade infinita de ser e estar-no-mundo que há que promover junto dos seres humanos; que há que rever como tarefa hermenêutico-ética, onde a imaginação, tem o seu lugar como pedagogia da alteridade. Um ser e estar-no-mundo em que identidade pessoal e identidade narrativa se tornam interactivas.

Apontamos para o ser humano em contexto, como ser histórico que é, pertencendo a um sistema social e cultural determinado. Mas, se a compreensão do indivíduo como ser histórico é de fundamental importância para uma redefinição no campo de estudo da psicologia, a compreensão do sujeito enquanto ser subjectivo, expressivo e portanto narrativo, não se tornam menos significativas.

Ricoeur e Vygotsky complementam-se na medida em que não se concebe uma construção individual sem a participação do Outro (vide Soi-même comme un Autre), e do meio social, o que torna imprescindível a relação intersubjectiva, já que é nesse espaço relacional e dialógico que existe a possibilidade do conhecimento e da partilha dos saberes.

Deste modo, apenas o ser humano pode educar o ser humano (vide Psicologia pedagógica). O acto de educar é um acto relacional; mas, se a educação é um acto dialógico, a educação através da arte é um acto vivencial. Tal tem que ver com a perspectiva Vygotskiana de que a vida humana é um trabalho criativo e que a pessoa transformada nesse processo criativo atinge novos níveis de insight e de compreensão. Utilizando a linguagem vygotskiana, cada obra de arte é uma janela de aprendizagem para o sujeito psicológico, um espelho onde a imagem se renova ou se retrata…relembrando Greimas, um “espaço tópico” que permite ao sujeito uma transformação, uma metamorfose (ex: a obra: Alice no país das maravilhas).

Não esqueçamos de que segundo Vygotsky, a criança aprende primeiro a compreender os outros e só depois, seguindo o mesmo modelo, aprende a compreender-se a si mesmo; uma ideia que é sublinhada por Ricoeur na sua obra O si mesmo como um outro.

Por um lado, Vygotsky dá ênfase à educação dos sentimentos pois se quisermos que os alunos recordem melhor ou exercitem mais o pensamento deveremos fazer com que as actividades sejam emocionalmente estimuladas; por outro lado, para este autor a emoção não é uma ferramenta menos importante que o pensamento. É aqui que vemos o papel fundamental da Psicologia da Arte enquanto sensibilização para o mundo sensível da Beleza e do afecto objectivado na vivência experimental; enquanto promotora do duplo referencial cognitivo / afectivo.

A Psicologia da Arte ajuda a compreender a matéria dos sonhos e a própria cultura como metamorfose hermenêutica.

Atente-se, pois, na evidência de que somos sujeitos, ocupando um determinado lugar / espaço no mundo, situados pois na acção, num tempo, com um determinado modo de agir e pensar, isto é, de comunicar com o que está à nossa volta, com uma memória (tempo da narrativa = passado), fazendo história, construindo peripécias… tal como uma personagem de um conto. No fundo, somos seres feitos de linguagem, fazemos escolhas, até com os pronomes (possessivos; demonstrativos; indefinidos) e com o modo dos verbos (conjuntivo; imperativo), e com os adjectivos e advérbios que utilizamos. Todos os dias cruzamos a sintaxe do discurso com a sintaxe da vida. É esta consciência da tridimensionalidade da linguagem que o aluno de Psicologia da Arte deve ter.

O tempo “nasce, como diz Merleau-Ponty, da minha relação com as coisas”. A memória é uma construção. Mais do que uma função mecânica de pura reprodução, a memória é uma função simbólica. Daí que Delacroix expresse este pensamento in Les Souvenirs “a lembrança não é a imagem, mas um juízo sobre a imagem no tempo”. Ex: Relembrar a Mona Lisa é avaliá-la e associá-la na minha contemporaneidade…assim como lembrar de Alice é associar a imagem de Alice aos valores simbólicos; às maravilhas que ela representa e mutatis mutandis compará-la com os de hoje. É sob o signo da associação de ideias que é colocada essa espécie de curto-circuito entre memória e imaginação, se essas duas afecções estão ligadas por contiguidade, evocar uma delas-portanto imaginar-é evocar a outra-portanto lembrar-se. A memória como recordação, opera assim na trilha da imaginação.

Desde já queremos introduzir este novo conceito e reforçar a ideia de que a interpretação de uma história/conto poderá ajudar numa auto-interpretação, proporcionando novos horizontes/mundos para o aluno como leitor assim como novas experiências e descobertas (alteridade) para o aluno como co-autor. Todo este processo conduzirá, não mais a uma heteronímia (remetemos para o conceito pessoano) do ser humano, mas a um assumir de papéis consciente, a uma alteridade que se conquista através de uma interpretação que vai de uma crítica ingénua a uma segunda crítica e não pelo acaso que um determinado contexto pode proporcionar. Daí que possamos dizer que, muito sucintamente, a Psicologia da Arte é um saber interpretar para melhor compreender e daí que uma autocompreensão se torne indissociável de sucessivas auto-interpretações, por sua vez possibilitadas por uma hermenêutica da narrativa. Desse modo, um leitor pode declarar reconhecer-se num determinado personagem e essa apropriação pode assumir uma variedade de formas, passando por estados de fascinação, suspeição, revolta, rejeição, sedução… Aprender a “narrar-se” poderá ser o benefício dessa apropriação crítica; sendo que tal pode acontecer numa narrativa visual, auditiva, gestual…sempre simbólica.

Assim, a Psicologia da Arte que pretende aprofundar o auto-conhecimento, que passa pelo crivo da norma, que promove a liberdade, tem que passar pelo confronto com o estranho, pois a Arte para além de levar à descoberta de conflitos, deverá igualmente permitir encontrar uma saída para os impasses e dilemas que a vida apresenta. Deste modo, em termos morais, ao promovermos a liberdade e esse confronto com o estranho, estaremos igualmente a promover a liberdade como auto-legislação, isto é, autonomia criativa. Todo o sujeito é singular, possui a sua história de vida, interesses particulares e é através da linguagem que se irá exprimir, representar o seu modo de ser e estar-no-mundo.

Indo ainda mais longe, e como conclui o psicólogo do desenvolvimento Vygotsky “As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento mas também na evolução histórica da consciência como um todo”.

Observa-se, assim, o papel fundamental que a linguagem desempenha na constituição dos sujeitos e a importância da interacção verbal social no processo ensino-aprendizagem, que jamais é eticamente neutro. Mesmo quando o professor faz paráfrases, operação típica do discurso pedagógico e explica de uma outra forma facilitando a compreensão por parte dos alunos, já aí o próprio professor fez uma hermenêutica, uma interpretação, que orienta para o sentido desejado, reflectindo e modificando uma determinada realidade. Quando num museu vemos os quadros legendados, ou numa exposição ao ar livre percebemos que as esculturas têm título… deparamos com os mais variados Graffittis…(ex: Muro de Berlim) ou ainda a obra prima de arquitectura da Bibliotheca Alexandrina envolta de hieróglifos, vamos lendo a intencionalidade dos autores.

Podemos, pois, concluir relativamente a este primeiro ponto, que a palavra, considerada produto ideológico, carrega em si lutas, conflitos e até mesmo o peso das determinações sociais que a produziram, razão pela qual o sentido da palavra ou do discurso, de forma mais ampla, somente poderá ser compreendido se se levar em conta tanto os sujeitos, quanto o contexto dialógico, o momento socio-histórico e as formações social, ideológica e discursiva dos interlocutores.

Note-se que não há prática docente que não seja um ensaio ético-estético “a realidade é, assim metamorfoseada por meio daquilo a que chamarei ‘as variações imaginativas’ que a literatura opera sobre o real”, isto é, que não articule a função imaginativa com os valores que a mesma pode veicular, até porque, de uma perspectiva narrativa, nós somos histórias, biografias e segundo MacIntyre, autor com o qual Ricoeur debate o conceito de identidade narrativa, seremos apenas co-autores das nossas próprias narrativas e por conseguinte somos de certeza co-autores das histórias dos nossos contemporâneos...