A dinâmica do poder é uma das características comuns das diversas formas de violência intrafamiliar, onde uma pessoa com mais poder abusa de outra com menos poder, havendo, portanto, uma diferença de poder entre as partes.

Vale ressaltar que, quando nos referimos à violência intrafamiliar, estamos falando de todas as formas de abuso que ocorrem nas relações entre os membros de uma família, desde as mais explícitas e cruéis até as mais sutis. Há dois eixos de desequilíbrio de poder dentro da família, o que pode ocorrer por gênero e por idade.

Denomina-se relação de abuso aquela forma de interação que, demarcada em um contexto de desequilíbrio de poder, inclui condutas de uma das partes que ocasionam dano físico ou psicológico a outro membro da relação.

Uma família pode estar em situação de violência e seus membros não se terem dado conta disso, visto que há distintas formas de relação abusiva, que caracterizam de modo permanente ou cíclico o vínculo intrafamiliar. Assim, qualquer membro da família, independente de sua raça, sexo ou idade, pode ser agente ou vítima de uma relação abusiva.

As estatísticas apontam que é o adulto masculino quem, com mais frequência, utiliza as distintas formas de abuso (físico, sexual, psicológico), e são as mulheres e crianças as vítimas mais comuns deste abuso.

O conceito de violência apresentado abaixo nos ajuda a esclarecer o alcance do termo, principalmente se você está sofrendo violência e não está sabendo:

Trata-se de ações e/ou omissões que podem cessar, impedir, deter ou retardar o desenvolvimento pleno dos seres humanos. Ocorre em relações interpessoais assimétricas e hierárquicas, nas quais há desigualdade e/ou subordinação. Aquele que violenta o outro toma decisões sobre a vida dele, sem avaliar as necessidades básicas e os desejos que possa ter, levando em conta unicamente suas próprias necessidades.

(Koller, 1999, apud Koller &Antoni, p. 301).

Há um ditado popular que diz: “O de baixo é meu!”, quando alguém pisa no nosso dedão. Esta é uma metáfora bastante simples, mas serve para elucidar o fato de que quando alguém sofre qualquer tipo de afronta (qualquer que seja ela!!!!), deve-se sinalizar e deixar bem claro ao ‘autor dos fatos’, que você não gostou, que ‘o de baixo’ tem dono, que você está cuidando do que é seu, enfim, que você está exigindo respeito. É preciso sinalizar imediatamente ao primeiro agravo sofrido, pois se isto não acontecer, o risco de reincidir é bastante grande, podendo aumentar em intensidade e frequência.

Muitas vezes não sinalizamos porque:

  • nosso amor próprio é ainda um tanto incipiente
  • temos medo das consequências
  • classificamos o incidente como banal
  • ou ainda porque não sabíamos que aquilo se tratava de um ato de violência (crianças que são abusadas por parentes próximos se sentem confusas, visto que se trata da pessoa que poderia lhe proporcionar segurança)
  • ou ainda que, carentes e desorganizados internamente, entendemos que esta é uma forma de atenção que estaríamos recebendo.

Vale lembrar que a noção de desenvolvimento nunca deve ser esquecida. Nosso potencial é ilimitado e devemos nos movimentar sempre para alcançar a plenitude. Se algum agente externo barra esta tendência natural de todo ser humano, é necessário se aperceber de que há algo errado e agir em defesa de si próprio, reafirmando a sua autonomia, sua liberdade de ação e de pensamento. Por exemplo, se o(a) seu companheiro(a) interfere na forma como você se veste, não estimula suas iniciativas e está sempre te puxando para baixo, ele(a) está minando dia após dia a sua autoestima, seu autoconceito e você não está se dando conta disso. Você apenas está se sentindo cada vez mais insegura(o) para agir e tomar decisões... Por que será?

É comum que, pessoas submetidas a situações crônicas de violência doméstica apresentem uma debilitação gradual de suas defesas físicas e psicológicas, o que se manifesta através de um incremento dos problemas de saúde (enfermidades psicossomáticas, depressão, etc.), lembrando que uma alta percentagem de assassinatos e lesões graves ocorridos entre os membros de uma família nada mais são que o desfecho de situações crônicas de violência “n” vezes repetidas. Por sua vez, crianças e adolescentes que testemunham ou são vítimas de violência intrafamiliar tendem a apresentar distúrbios de conduta na escola além de dificuldades de aprendizagem; em sua vida adulta há grande tendência de reprodução do modelo do casal parental. Para fazer a profilaxia desta “enfermidade” que já se tornou um problema social, você pode começar por exigir respeito. A noção de respeito antecede a questão da violência e previne abusos de qualquer natureza. Mas você não conseguirá isto se não se respeitar primeiro. A relação com o outro é um espelho da relação que temos conosco mesmos.

Certamente também é difícil construir algo que não recebemos em nossa formação, junto à nossa família de origem. Contudo, o primeiro passo que podemos dar é sempre a pedra fundamental do caminho: Se você começar a se olhar no espelho todos os dias e disser a si mesmo(a): “Você é uma pessoa legal! Eu gosto de você!!!! Não vou deixar que ninguém pise no seu dedão!”, já vai estar construindo uma base sólida para si e seus relacionamentos futuros.

Um passo de cada vez...

Referências

Koller, Sílvia Helena & Antoni, Clarissa. Violência intrafamiliar: uma visão ecológica. In Koller, Sílvia Helena (Org.) – Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, p 297-314, 2004.