Conhecer é o processo perceptivo que permite se relacionar com o que está à nossa volta, diante de nós, prolongando-se em pensamentos que se referem seja ao passado, ao presente ou ao futuro. Esse processo, quando às vezes faz o não existente existir, é realizado pela visão e pela audição e aí a palavra é fundamental, pois essa existência só existe nela. Embora essa palavra não tenha densidade, forma e cor - critérios que para os empiristas e causalistas eram os determinantes do existente - ela é significativa. Às vezes o significado do mundo não tem correspondência no que se considera real, passível de ser visto, segurado, cheirado.

A linguagem é a expressão do percebido e não o determinante dele. A palavra não cria o mundo, ela o reflete, expressa e até organiza trilhas que englobam o percebido, o estruturado, tanto quanto o parcializam. Quando as palavras se referem ao que não existe, elas resultam de outras vivências, de globalização que pode gerar conceitos e enunciados explicativos, tanto quanto pode fundir vivências e significados, criando assim verdadeiros conglomerados que escondem vivências e realidades.

As globalizações do existente por meio de conceituações permitem conhecer alguma vida e densidade até mesmo no metaforizado. Fantasiar, delirar, inventar são também maneiras de expressar significados, mais tarde passíveis de serem globalizados e conceituados. Essa espiral do tempo possibilita novas apreensões, novos referenciais, novas percepções, e assim diversas concretudes apenas imaginadas passam a significar e a ser percebidas, perfazendo o que se usa chamar do conhecimento das coisas - a percepção do percebido.

Frequentemente palavras expressam o que não existe, realizando o papel de imaginação, de fantasia. A frase

a leveza do ar e o frescor de sua presença,

muito expressa, permite conhecimento do que se quer referir, mas não traz nenhuma densidade explícita ao conhecimento direto, palpável. É sempre suposta e necessária uma plataforma relacional, densa, que possa ser cogitada. A memória, nesse caso, é um explicitador fundamental enquanto elo de linguagem. Tudo isso nos leva a admitir que o conhecimento verbal não ocupa lugar no espaço, ele é distante desta relação espacial. É o conceito, é a globalização, tanto quanto a fantasia, a quimera, o delírio. Isso configura o nosso lidar cotidiano com palavras, objetos, afirmações, enunciados, crenças e valores.

As palavras indicam, resumem, mas não são duplos, pois nem sempre o referido tem existência densa, concreta. A questão da existência enquanto concretude é um dos quebra-cabeças epistemológicos e também teológico-religiosos. A necessidade de manifestação, a prova do divino se constitui em um equivalente da prova factual necessária em algumas etapas do pensamento científico. Chomsky diz, citando Humboldt:

Uma palavra não é uma cópia do objeto em si, mas da imagem produzida por este objeto na alma.

Reeditar o dualismo entre corpo e alma, real e mágico, é um “dividir para governar” ou para entender que apenas estabelece distorções.

Partindo da unidade e acompanhando as direções que ela estrutura visualizamos inúmeras configurações, relações que nos permitem dizer que a percepção (conhecimento) é que estrutura o significado, o sentido lingüístico, semântico, passível de ser comunicado, expresso e compreendido. O processo de estruturação de significado ocorre por meio de categorização, ou seja, de perceber que se percebe. Todos os significados são estruturados no contexto da percepção. Percepção é conhecimento e categorização é conhecer que conhece, perceber que percebe, é o conhecimento do conhecido. Nesse processo as redes relacionais são estruturadas por closura, proximidade, semelhança, boa forma ou pregnância, enfim, segundo as leis perceptivas. O mais pregnante passa a ser percebido mais frequentemente. Essa frequência é valorada positiva ou negativamente em função dos referenciais estabelecidos, isto é, pontos, nós da rede. Surge o significado, o conhecer que conhece. Essa estrutura relacional perceptiva começa a criar os mapas significativos. A referência, a indicação desses mapas significativos, desses significados percebidos, possibilita comunicação, possibilita linguagem. As continuidades significativas contextualizam sentido, direção, percepção da percepção, conhecimento e outras relações.

Problematizar e entender a força da palavra veiculando verdades e mentiras, conhecimento e fantasia é importante no mundo contemporâneo dominado pela facilidade e velocidade na circulação de ideias (com suas questões de disputas por poder, veracidade, fake news etc.), mas especificamente na psicologia e psicoterapia isso é de importância fundamental. Como afirmei em outra ocasião, a fala é uma das digitais mais individualizantes do ser humano.

Leituras adicionais de outros textos meus, complementando esta temática, estão disponíveis aqui, nos artigos sobre a a fala como uma das digitais mais individualizantes do ser humano, a linguagem perigosa e o texto titulado Manipulação e contemporaneidade.