Dois de outubro de 2009, além de meu aniversário, eu tinha outro motivo para comemorar. Depois de quatro tentativas foi nesse dia que a cidade do Rio de Janeiro foi anunciada como a sede do jogos da XXXI Olimpíada em 2016. Ainda me lembro que seguia junto com meu esposo no carro, para pegar minha encomenda de bolo quando paramos para ouvir o anúncio. Foi muita emoção! Ainda mais para uma filelênica recém-regressada da sua viagem dos sonhos pela Grécia com parada obrigatória em Olímpia, berço dos Jogos Olímpicos.

Da mesma forma que o anúncio foi o pontapé inicial de uma grande odisseia olímpica, a cerimônia do ascendimento da tocha realizada no sítio arqueológico de Olímpia na Grécia em 21 de abril deste ano, foi literalmente o primeiro passo do Rio2016. Curiosamente (ou seria um plano tramado no Monte Olimpo?) o evento ocorreu em uma semana repleta de acontecimentos, datas já históricas e outras que se tornaram históricas no nosso país. Parece-me que o fogo seria um elemento presente em vários momentos de uma conturbada semana. Em ano de El Niño, as temperaturas no país aproximam-se do pleno outono. A política pegando fogo em Brasília e a tocha olímpica sendo acesa rumo ao Brasil... Enfim, uma semana deveras quente com e sem aspas!

No dia 17 de abril, foi votado na Câmera dos Deputados a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. No dia 19 de abril, comemora-se o Dia do Índio com todas as suas controvérsias e lutas. No mesmo dia da cerimônia grega, no Rio de Janeiro, desaba uma ciclovia recém construída como parte do legado dos Jogos Olímpicos para a cidade. Ah, e não devemos nos esquecer que 21 de abril é o Dia de Tiradentes, data criada para homenagear Joaquim José da Silva Xavier, o "Tiradentes", importante personalidade no processo de independência do Brasil. No dia seguinte, 22 de abril, comemora-se o Descobrimento do Brasil e também o Dia da Terra, celebrado também com a assinatura de 171 países do Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas na sede da ONU, em Nova York.

Pelo meio de tantos fatos e acontecimentos de relevância política nacional e internacional - em um momento de incerteza em diversos segmentos e em ano olímpico - há que se refletir sobre o papel do que poderia passar apenas por uma mera burocracia ritualística: a cerimônia do ascendimento da tocha olímpica e início do revezamento dos carregadores da tocha até a cerimônia de abertura no Estádio do Maracanã em 5 de agosto.

De acordo com a mitologia grega, os homens haviam sido criados por um dos titãs, Prometeu, em conjunto com seu irmão Epimeteu. Em favor da humanidade, Prometeu deu aos homens a astúcia e roubou o fogo de Zeus para que os homens o dominassem. Assim, o fogo simboliza a vida, a astúcia e a liberdade dos homens. Não é por acaso, então, que Pritaneu, local onde os representantes oficiais da cidade (os prítanes) e os vencedores dos jogos olímpicos se reuniam em Olímpia, era o local que abrigava o altar sagrado da deusa Héstia onde se colocava o fogo sagrado durante os jogos. Ou seja, desde os primórdios o fogo é peça central na dinâmica dos jogos e também da pólis grega.

Símbolo dos Jogos Olímpicos em conjunto com os cinco anéis, a chama olímpica é a aliança entre os jogos antigos e os jogos modernos e, desde os Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, é acesa em um ritual no templo de Hera em Olímpia. E esse ano não foi diferente. Precedido pela declamação do famoso poema de Takis Doxas “A Luz de Olímpia” e também pelos discursos de Efthymios Kotzas, prefeito da Antiga Olímpia, Carlos Nuzman, presidente do comitê organizador dos jogos olímpicos e paraolímpicos Rio2016 e Thomas Bach, presidente do comitê olímpico internacional, a chama olímpica foi acesa pelo fogo produzido pelos raios do sol refletidos em um espelho côncavo, chamado skaphia e foi envolta pela paz anunciada no poema e pelos discursos dos homens mais importantes dessa edição dos jogos.

Mas além da simbologia e da palavra, a paz entre os povos conclamada pela chama olímpica nessa solene cerimônia, também é formalizada pela Trégua Olímpica, inspirada na assinatura de um acordo entre três reis na antiga Grécia, a qual garantia a paz entre os povos durantes os jogos. Assinado esse tratado, os cidadãos de Elis saíam proclamando a trégua pelas cidades e assim todos poderiam se deslocar até ao local dos jogos sem nenhum conflito.

Atualmente, o Comitê Olímpico Internacional adota a Trégua Olímpica com os seguintes objetivos: mobilizar os jovens para a promoção dos ideais olímpicos; usar o esporte para estabelecer contatos entre comunidades em conflito; oferecer ajuda humanitária em países em guerra; e criar uma janela de oportunidades para diálogo e reconciliação.

Apesar de todos os problemas que um evento desse porte possa trazer dentro do âmbito local, regional e nacional, apesar de todo cunho mercadológico desse evento com suas marcas patrocinadoras, apesar de todo pessimismo (não estou ocultando ou ignorando esses fatos quando não os trago à tona aqui! Simplesmente não escolhi esse caminho), há que olhar para a chama olímpica despido de tudo isso e buscar a sua essência apolínea e acreditar que sim, o fogo olímpico é o nosso arauto da paz. Que a chama que está passando pelos nossos 26 estados e Distrito Federal possa trazer o calor da trégua. Seja bem-vindo, fogo olímpico!