Na minha infância não houve desejos intensos de açúcar ou sequer de chocolate. Mas os afetos, muito subtilmente, souberam como deixar uma marca doce nas minhas lembranças de menina, para sempre.

Eu cresci num meio pequeno. Lá os dias decorriam ao som compassado do tocar dos sinos da igreja, que embalava a rotina de todos os dias. No centro desse universo pequeno e tão cheio de tudo o que realmente importa estava a minha avó Tina. Levava-me com ela para todo ao lado. E pelo caminho ia atirando bons dias a quem por ela passava. Nos mesmos sítios, sempre as mesmas pessoas, que agora e à distância dos anos, me parecem personagens saídas de um qualquer livro, daqueles que guardamos para sempre no coração e na memória. A padaria onde ainda hoje se faz o pão, que para mim continua a ser o melhor. Os moletes, os bijus para os pequenos (como a minha avó chamava aos netos) e os pães de leite para um mimo extra, que vindos dela eram mais que muitos. O Sr. Manuel sapateiro, homem de poucas falas e cara sempre “engraxada”, que durante anos associei ao cheiro forte da graxa e da cola. O Sr. Sousa da mercearia que deixou a aldeia natal para tentar a sorte e tomar as rédeas da sua própria vida. O supermercado do Penteado. E o talho do redondo, cujo dono tagarela gostava de espicaçar as raparigas, e que por isso nunca foi da minha preferência.

Das pessoas que se cruzavam connosco enquanto se faziam as compras do dia, são várias as que nunca vou esquecer. O alfaiate e a mulher, em cuja casa eu passava tardes inteiras entre linhas, giz e telas. A D. Rosa, senhora solteira muito dada à sobrinha predileta e enfermeira caseira nas horas vagas. As vizinhas de toda a vida que tinham sempre um agrado para os mais novos. E depois a Sr. Adelina. Uma senhora muito rosada e delicada, de cabelo branco apanhado num carrapito perfeito e grande amiga da minha avó. Ao fim do dia estava sempre debruçada na sua alta janela de granito a ver quem passava, e quando me via a caminho da casa dos meus pais, enchia-me de delicadezas e de doçura, que de vez em quando vinham na forma de Cavacas de Resende, feitas por ela. Fatias altas de um pão de ló leve como penas. Amarelinhas dos ovos da casa. Húmidas e com uma capa branca de açúcar que sustentava a quase insustentável leveza daquela massa etérea e que de tão boas, guardavam no esquecimento a minha indiferença por tudo o que era doce.

A velha e linda casa da D. Adelina ainda hoje existe, embora esteja abandonada. A janela por onde tanto açúcar vertia, está agora enfeitada por heras e ervas daninhas. Mas ainda é bonita. Com a beleza nobre das casas que guardam entre as suas paredes tantas histórias para contar. De vez em quando passo por ela e olho, à procura daquela senhora tão doce como as palavras que me dizia. Tão doce como as deliciosas cavacas que me oferecia.