Pitsiqui Carvalho
Colabora no Meer desde outubro de 2023
Pitsiqui Carvalho

Sou médica há três décadas e, a cada dia, reafirmo a minha paixão pela missão de cuidar da vida na sua essência mais profunda. Para mim, a medicina nunca foi uma profissão comum — é um chamado que orienta a minha existência, uma forma de viver e servir com ética, empatia e dedicação. A arte de curar, que fui aperfeiçoando ao longo destes anos, vai muito para além do diagnóstico e da prescrição: envolve escuta atenta, acolhimento genuíno e uma visão integral do ser humano, considerando as suas dimensões física, mental, emocional, social e espiritual.

A minha mãe recorda que, desde os três anos, eu já dizia que queria ser médica — um sonho que, embora pudesse parecer ingénuo aos olhos de uma criança, se foi enraizando e crescendo comigo. Cresci movida pelo desejo de aliviar a dor, promover a saúde, amparar e, sempre que possível, curar. Escolher a medicina foi para mim menos uma decisão racional e mais uma fidelidade ao que sempre senti ser o meu destino.

Nestes trinta anos de prática clínica, aprendi que o corpo é muito mais do que um organismo biológico: é um templo sagrado que guarda memórias, emoções e histórias. Tudo o que fazemos — a forma como nos alimentamos, os exercícios que praticamos, os pensamentos e sentimentos que cultivamos — reflete-se diretamente na nossa saúde e qualidade de vida. Cuidar do corpo significa, portanto, cuidar também da mente e do espírito. Esta visão holística acompanha cada consulta, palestra e texto que escrevo.

Tenho um profundo interesse em partilhar conhecimento de forma clara, acessível e transformadora. Falo com entusiasmo sobre o bem-estar, o autocuidado, a prevenção de doenças e a promoção da saúde, sempre a partir da convicção de que somos seres integrados e interligados. Acredito que a informação, quando transmitida com cuidado, tem o poder de libertar do medo, dissolver preconceitos e criar pontes entre as pessoas.

Foi assim que nasceu o meu percurso como autora na revista MEER, onde assino artigos que unem ciência, humanismo e reflexão. Já abordei temas delicados como “Suicídio: rompendo o silêncio”, procurando lançar luz sobre um problema tantas vezes abafado pelo estigma, e dilemas éticos complexos como “O aborto: em busca de um meio termo” e “Ortotanásia vs Eutanásia vs Suicídio assistido” — textos que convidam ao diálogo respeitoso sobre questões fundamentais da existência humana.

Interessa-me discutir os desafios sociais ligados ao envelhecimento: a solidão dos idosos, o impacto do abandono numa sociedade que envelhece rapidamente e a invisibilidade com que a velhice é tratada — esquecendo que nela reside um reservatório de sabedoria que merece valorização. Preocupa-me a influência da grande mídia e das redes sociais na saúde mental, principalmente dos jovens. Preocupa-me igualmente a saúde planetária e a interdependência entre o meio ambiente e a saúde humana — pois não existe bem-estar individual sem equilíbrio ecológico. Vejo com otimismo e curiosidade os avanços tecnológicos na medicina, mas reflito sobre o risco de, em meio à inovação, se perder a essência do cuidado humano.

A mente e as emoções ocupam grande parte da minha reflexão. Interesso-me pela fascinante ligação entre a microbiota intestinal e a saúde mental, assim como pela forma como as experiências emocionais moldam sintomas e originam doenças invisíveis — temas que exigem redução do estigma e maior responsabilidade coletiva para dar voz e dignidade a quem sofre em silêncio. A saúde é também felicidade, no que acredito profundamente. Por isso, dedico atenção à química da felicidade e a como cultivar estados emocionais equilibrados e positivos no dia a dia.

A pandemia de COVID-19 representou um marco intenso na minha vida profissional e pessoal. Foram três anos na linha da frente, confrontando-me diariamente com a fragilidade da vida e a força da esperança. Aprendi que ser médica vai muito para além de curar: é ser guardiã da confiança e da resiliência humanas. Durante esse período, experienciei na própria pele o sofrimento de quem cuida — ” Síndrome de Burnout “— uma realidade que ainda hoje persiste. Esse desgaste não resultou apenas da intensidade do trabalho clínico, mas de um ambiente marcado por exigências excessivas, pressão constante e falta de apoio hierárquico. Enfrentei quase que diariamente a violência verbal, emocional e até física, a frustração e impaciência de doentes e familiares, e expectativas muitas vezes impossíveis de alcançar.

Percebi que, mesmo experiente e dedicada, não somos infalíveis nem super-humanos; o corpo e a mente dão sinais claros de esgotamento, lembrando que cuidar de si é tão vital quanto cuidar dos outros. Partilhar esta experiência tornou-se para mim uma missão — alertar, acolher e inspirar profissionais que, como eu, têm o cuidado como propósito, mostrando que reconhecer os limites é um ato de coragem, preservação e sobrevivência emocional e profissional.

Cada texto que escrevo é uma oportunidade de traduzir ciência em humanidade. Mais do que transmitir dados, procuro despertar consciência e inspirar mudanças. Escrevo não só como médica, mas também como mulher, viajante e observadora do mundo. As minhas viagens por mais de 37 países e 200 cidades confirmaram o que vivo em cada consulta: por dentro, somos todos iguais, guardamos as mesmas dores, desejos e sonhos, e partilhamos a mesma procura por evolução e felicidade. O meu trabalho como autora está longe de ser concluído, sigo explorando as fronteiras emergentes da medicina e as questões éticas contemporâneas. Através da escrita, chego a pessoas que talvez nunca estejam sentadas diante de mim num consultório, mas que podem encontrar nas minhas palavras orientação, reflexão e inspiração. Dedico atenção a explicar temas clínicos de forma acessível ao público, sempre com o objetivo de esclarecer e capacitar os leitores.

Acredito que estamos aqui para crescer, aprender e expandir. Somos parte inseparável da natureza e do planeta Terra, e compreender esta interligação é essencial para respeitar a vida em todas as suas formas. Quanto mais despertos estivermos para esta realidade, mais perto estaremos de um mundo livre de ódio, guerra e ignorância.

O que me move, no fundo, é a convicção de que a vida pode — e deve — ser vivida com consciência, equilíbrio e amor. A medicina é o meu instrumento, a escrita é a minha voz e as viagens são a minha fonte inesgotável de inspiração. Em cada um destes caminhos encontro a confirmação de que vale a pena dedicar-me ao que sempre acreditei: cuidar da vida, em todas as suas formas, é a missão mais bela que se pode ter.

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