Gilles Lipovetsky na sua obra O império do efêmero elucida como a moda ainda é subestimada como objeto de estudo real, ainda que ela tenha sido o fenômeno responsável por escrever e contar a história do mundo em muitas (ou em todas) versões. A moda como conhecemos apareceu na idade moderna, quando a burguesia resolveu que a nobreza e a sua forma de consumo, eram a sua referência máxima. A partir daí, o movimento começa: os nobres consomem um chapéu x, os burgueses começam a consumir o mesmo, a nobreza, que não quer se igualar a camadas abaixo dela, escolhe outro chapéu para chamar de seu, os burgueses fazem o mesmo e, o ciclo da moda se inicia. Dito isso, é impossível constatar que o tema da moda não merece ser estudado pela academia. A moda, a história e a sociedade caminham juntas e assim vão seguir.

No dia 24 de janeiro de 2025 o Museu do Louvre trouxe pela primeira vez uma exposição de moda, mas, a altura da sua estreia, a exposição deixou ainda mais clara a importância de um excelente repertório na construção de peças de roupa que entraram para a história e, portanto, a importância dos fatos históricos e do comportamento social nessa narrativa. A curadoria incorrigível representa um marco significativo ao integrar a moda contemporânea com as coleções históricas do museu. A mostra ocupa quase 9.000 metros quadrados e apresenta mais de 100 peças de alta-costura, prêt-à-porter e acessórios de 45 das casas de moda mais renomadas no mundo, incluindo Dior, Chanel, Balenciaga e Versace.

A proposta da exposição é estabelecer um diálogo entre a moda e as artes decorativas, explorando como os designers contemporâneos se inspiram em obras do passado, mas ela vai além disso. Cada peça foi selecionada por sua ressonância intelectual, emocional ou poética com a história das artes decorativas, os estilos que marcaram diferentes períodos, os ofícios que os sustentaram e as referências históricas que transformaram uma época.

Alguns dos meus exemplos preferidos foram a criação de John Galliano para Dior (FW 2026/2025), exibida ao lado de uma tapeçaria do período medieval que serviu de inspiração para que ele construísse a sua própria obra de arte, evidenciando a influência importante das texturas, formas e possibilidades na moda contemporânea. Da mesma forma, uma peça de Gianni Versace, confeccionada em malha metálica e adornada com cristais Swarovski, praticamente se move com o seu desenho que referenciou os drapeados da Grécia Antiga e a iconografia bizantina.

A moda é um campo ainda pouco explorado academicamente, mas, algo é indiscutível: nela há espaço para todo tipo de conhecimento. Dentro desse tema podemos citar inúmeros profissionais que marcaram a história graças aos seus interesses que, em um primeiro momento, nada tinham haver com o setor fashion: Christian Dior com sua paixão pela botânica, arquitetura e paisagismo, Iris Van Herpen com seu domínio da impressão 3D e seu encanto quase que magnético por biologia marinha e Jum Nakao em seu desfile fenômeno da SPFW marcado pela sua habilidade sublime de se trabalhar com papel. Todos esses profissionais e muitos outros deixaram marcas na moda graças à multiplicidade de seu conhecimento.

O conceito de "moda como arte" é explorado na exposição ao destacar como os designers contemporâneos interpretam elementos históricos, mas muito além disso o trabalho dos curadores destacou de maneira quase onírica a importância das técnicas artesanais e dos materiais nobres na criação de peças de alta-costura. A exposição exemplifica como a moda pode ser uma forma de arte que não só se inspira mas que preserva e reinterpreta o patrimônio cultural.

A moda também serve como um testemunho das transformações sociais e culturais ao longo da história. As peças exibidas na Louvre Couture refletem mudanças nos padrões estéticos, nas técnicas de produção e, também, nos valores sociais. Um exemplo claro é a transição de estilos de vestuário ao longo dos séculos, evidenciada pelas diferentes abordagens à silhueta, ao uso de cores e à ornamentação, oferecendo uma visão panorâmica da evolução da sociedade através da moda, em peças que respiram o seu tempo, a sua mensagem e os seus valores (ou a quebra deles). E, ao longo da exposição, tudo isso forma um diálogo intencional.

A cenografia, concebida por Nathalie Crinière, transforma as galerias do museu em cenários teatrais onde tanto moda quanto arte interagem de maneira coesa e muito interessante. A disposição das peças, a iluminação dramática e os ambientes históricos criam uma experiência imersiva que permite aos visitantes vivenciar a conexão entre passado e presente de forma sensorial.

A Louvre Couture não é apenas uma exposição de moda; é uma reflexão sobre como a moda pode ser uma forma de arte que dialoga com a história mas que, também, a transforma e conta suas próprias por si só. Ao integrar peças contemporâneas com obras do passado, o museu oferece uma nova perspectiva sobre a relação entre moda, arte e história, mostrando que a moda é uma expressão cultural rica e multifacetada que merece ser reconhecida como tal. Essa abordagem inovadora amplia o entendimento do público sobre o papel do setor na construção da identidade cultural e na preservação do patrimônio histórico, mas para além disso, convida estudiosos e acadêmicos a falar mais sobre esse fenômeno que já acompanha inúmeras das maiores transformações do mundo sem nunca deixar de ser relevante.