Perceber o limite desespera. Saber que a partir desse momento, dessa situação, nada mais pode ser feito é desolador. Essas vivências são frequentes quando se assiste à morte de pessoas queridas, e também são vivências encontradas quando se percebe a iminência de algum desastre ou de um assalto, por exemplo. Essas são experiências que comportam lapsos, ou seja, intervalos gerados pela velocidade do que atropela, do que sentencia.
Saber que algum dia morreremos é uma verdade que nos situa, às vezes comprime e congestiona, mas de tão verdadeira, não mais espanta. Vale comentar, aqui, esse aspecto. A verdade, o irredutível, o irremediável, por pior que seja, não espanta. É o que é definitivo, é limite e é base. Situa, suporta, consequentemente não oprime, não derruba, pois permite que nele se caminhe. Delimitar possibilidades e impossibilidades é o que nos constitui e nos humaniza. Essa aceitação de limites é o que neutraliza o desespero de, quando não há saída, desejar.
Substituir a falta pela expectativa de suprir ou de melhorar e conseguir, gera ansiedade. A ansiedade é o novo chão, o aparente não limite criado pelo desejar, para assim estabelecer parâmetros, pontos e situações a partir das quais tudo fica maravilhoso, luminoso e feliz. Ela é uma das vivências mais comuns quando não se aceita o limite, a realidade, o presente, quando não se aceita o que acontece. A não aceitação do limite, da realidade cria o faz de conta, estabelece os pontos de felicidade e de infelicidade caso tais situações aconteçam, se realizem, ou não aconteçam, não se realizem. Exemplo contundente disso é expresso pela ilusória frase: “se eu fosse...” (rico, belo, inteligente, vitorioso, melhor que os outros etc.).
A atitude de tentar conseguir é desenfreada. Sequer surgem perguntas de por que tenho que ser isso? Tenho que conseguir para quê? As respostas estão impressas nos torvelinhos dos próprios desejos. Querer ser rico, belo e poderoso, por exemplo, é uma busca, um anseio, mas é também a própria chave, a resposta que tudo abriga. Essa desesperada e ansiosa mistura entre o que se quer ser e o que não se é cria tensão, ressentimento e gera ansiedade, pois ao desejar ser o que não se é – outra coisa diferente do que se é – se nega, rejeita e critica o que se é, se destrói e vira pó, cinzas do que foi, buscando ser recomposto no suposto e desejado resultado, o paraíso buscado.
Destruir-se para conseguir, assim como procurar ser diferente do que se é, e do que se vivencia, para encaixar e realizar palavras, rótulos e experiências valorizadas, é desumanizador. É como se houvesse um acerto: a destruição do que existe para conseguir ser outra pessoa. Presenciamos, cotidianamente, inúmeros exemplos dessa atitude devastadora quando pessoas, no anseio de deixarem de ser pobres e tornarem-se ricas, ignoram ou escondem seus limites e dificuldades, mudam forçosamente situações, status, os próprios corpos, viram outros, enfim.
Se deseja o que falta, mas no afã de preencher a falta, traem-se a si mesmas. Inevitavelmente surgem devastação, dificuldades relacionais, problemas, pois não se muda preenchendo, só se muda antagonizando contradições. Antagonizar contradições significa fazê-las confluir para o tempo e contexto presentes. Em outras palavras, só se resolve o que tiraniza, o que desagrada, mergulhando nas contradições, nas fragmentações, isto é, globalizando, açambarcando o que acontece e maleficia.
Correr atrás de resultados, de melhoras, sem se dedicar aos problemas é um engano, é arrasador, não soluciona as dificuldades, e esvazia, gera desejos de se livrar do mal, do que deprime e angustia, e assim cria desesperados, desejosos à busca de soluções. Acontece que procurar soluções sem equacionar os dados problemáticos é fazer de conta que resolve problemas. É viver em um mundo de fantasia, adiando o inexorável enfrentamento dos próprios limites e não aceitações, aprofundando a gravidade das próprias problemáticas.
Agir sem se deter nos motivadores de nossos comportamentos, sem questionar o que queremos, desejamos e buscamos, aliena e esvazia. A vida é transformação constante e nesse movimento é necessário questionar-se. O questionamento é salutar, é salvador. Ao se questionar se descobre inúmeras questões não aceitas, que foram abandonadas e se tornaram criadoras de ilusões como as de que a beleza, a riqueza, o amor realizado podem substituir toda e qualquer situação, por exemplo.
Toda vez que os limites, os obstáculos são percebidos apenas como meio social ou falta de perspectivas, enfim, sempre que isso ocorre estamos diante de indivíduos com diversas vivências que oscilaram de não saída em não saída. São pessoas que transformaram a vida em uma corrida de obstáculos.
Ao perceber a continuidade do existir , o movimento, a transformação, a mudança, percebemos também que não existem limites. Aceitar a transitoriedade é aceitar o limite e assim neutralizá-lo. Essa é a grande magia que se descobre ao aceitar impossibilidades e possibilidades, transformações e transcendências.