Buscando ritmos para me sentir bem, um dia encontrei o Afrobeats. A canção Calm Down, do nigeriano Rema, me apresentou ao estilo. E descobri um mundo imenso.
Não confundir com o Afrobeat de Fela Kuti nos anos 1970: Afrobeats, também conhecido como Afro-pop, Afro-fusion (com ou sem hífen), é um termo usado para designar a música pop contemporânea feita na África Ocidental e diáspora, que se desenvolveram inicialmente na Nigéria, Gana e Reino Unido nos anos 2000 e 2010. Gêneros como hiplife, música jùjú, highlife e naija beats, entre outros, costumam ser agrupados sob o rótulo 'afrobeats'. O Afrobeats é produzido principalmente entre Lagos, Acra e Londres.
Fela Kuti misturava música africana tradicional com ritmos como jazz, soul e funk e é considerado o músico mais importante da Nigéria. Era panafricanista e também por isso cantava em inglês, o que ajudou a que a África multilingüe pudesse entendê-lo. Da mesma maneira, o Afrobeats pôde subir às paradas de sucesso através de seus expoentes.
O período do tráfico transatlântico de pessoas, com a vinda dos povos negros escravizados da África para o Brasil, foi um período muito horrendo da nossa história e que ecoa até hoje na nossa vida. Mas essa população, que foi retirada à força de suas origens, contribuiu muito para a formação cultural brasileira de um modo geral. Na música não seria diferente.
Como brasileira, e particularmente como soteropolitana, ouvi muita música influenciada pelos sons africanos a vida toda. Também ouvi muita música da diáspora. Minha mãe, inclusive, foi a Abdijan (Costa do Marfim) trabalhar com artistas musicais quando eu era pequena. Tive ícones da música negra brasileira como Lazzo Matumbi e Margareth Menezes freqüentando minha casa habitualmente. Mas sempre me perguntei que música ouvem os africanos e africanas de hoje. Que música fazem os africanos e as africanas de hoje. Porque na Bahia a gente parou no tempo, a música africana é muito mais “raiz”. Ou folclórica, como queiram.
Não se equivoque: entendo que a África é um continente imenso e que tem muitíssima riqueza de variedade cultural. Venho de um país onde temos uma variedade imensa, e não poderia esperar outra coisa de um território tão vasto e cheio de etnias. Mas o Afrobeats foi uma excelente carta de apresentação: não me encontrei em ritmos dançantes populares como o kuduro angolano. Até mesmo o maracatu pernambucano - influenciado pela música afro - me parecia algo pouco explorado pelas grandes rádios, e não chegava muito em Salvador.
Por que falo de diáspora? Porque as identidades africanas e afrodescendentes são tão múltiplas quanto as etnias que há na África, talvez mais. O tráfico transatlântico de pessoas no mundo nos trouxe uma riqueza incomensurável. Não é a mesma coisa ser um afrodescendente em Londres que em Lagos, mas todas são identidades africanas válidas, e sua música deveria ser respeitada como tal.
O Afrobeats é a música pop da África Ocidental, mesclada com ritmos locais: essa mistura derivou em batidas tranquilas com vocais vibrantes, videoclipes com muita cor e beleza, e pura identidade negra. Antes estava englobado no mal-chamado estilo world music, um conceito que difuminava a identidade e a voz africanas e de outros lugares do mundo. É o ritmo que conseguiu furar a bolha das paradas de sucesso na Europa e no resto do mundo, e Rema é a prova disso: cantou na cerimônia da Bola de Ouro para milhões de pessoas.
O Afrobeats também toma emprestado um pouco do Afrobeat original de Fela Kuti e seus seguidores, mas com uma perspectiva mais relaxada. Como gênero arraigado na diáspora e na globalização, sua identidade está hoje difusa e é difícil distinguir o que é realmente, além de uma etiqueta que de algum modo vem a resumir todas as sensibilidades sonoras africanas que conectam com a juventude contemporânea.
O que é evidente é que a consolidação de um som propriamente africano em nível mundial vem não só do interesse crescente por parte da indústria musical (que busca no discurso subalterno a novas estrelas para alimentar a maquinária ocidental, e também para ampliar seu volume de mercado), mas também a uma lenta - mas inexorável - revolução social que está acontecendo nos últimos dez ou vinte anos na juventude dos bairros de cidades como Lagos, Soweto, Johannesburgo, Pretória, Durban, Kampala ou Dar es-Salam. Cidades que, além disso, estão imersas em uma verdadeira explosão demográfica e que se nutrem da ida e volta diaspórica de algumas de suas figuras.
Alguns dos principais artistas do Afrobeats são Burna Boy, Arya Starr, Wizkid, Mr Eazi, Rema e Omah Lay. Vale a pena dar uma voltinha pela sua plataforma de streaming musical ou de vídeos favorita para procurar listas de reprodução de Afrobeats, ou mesmo estes artistas. É um mundo totalmente novo para ouvidos não-diaspóricos.
Minha experiência foi muito grata. Seja buscando listas de reprodução para música de fundo em um encontro com amigos ou simplesmente para fazer tarefas domésticas, o Afrobeats ajudou-me a me sentir bem e manter o ânimo lá em cima. Depois não diga que eu não avisei.