Entre as araras, estão os looks. A modelo entra no estúdio. O fotógrafo está em sua posição, aguardando o sinal. As luzes estão todas ao seu dispor. Purpurinas começam a cair do alto do teto, seus cabelos voam, e a modelo inicia seu trabalho. O flash é disparado. Ela não perde um único clique. As câmeras a amam.

— Corta!

A capa está pronta.

É assim que você imaginou um editorial de moda, né? Cheio de glamour, graça e beleza.

Mas a realidade não é bem assim.

Correria. Pesquisas até de madrugada. E-mails. Cansaço. Looks espalhados. Leva. Traz. Mensagens não respondidas. Mais correria. Mais caos.

Te decepcionei?

Bem-vindo à realidade de um produtor de moda.

E, no meio desse turbilhão, está Thiago Torres, a mente criativa por trás das produções da Elle Brasil.

O baiano, nascido em Irecê, fez de São Paulo seu lar e se considera um paulista de alma e coração.

Aos 25 anos, o menino introvertido deu lugar a uma versão mais comunicativa para dar vida à sua paixão: produzir moda.

Desde muito pequeno, já organizava desfiles na escola e fazia dos passatempos o seu mundo ideal. E não é que as brincadeiras de infância viraram profissão?

Em entrevista, o produtor nos mostra seu dia a dia, como a moda entrou em sua vida e a sua verdade. Vem descobrir os bastidores comigo!

De que maneira a moda foi apresentada a você? Você teve influência para começar nesse ramo ou foi algo que sempre te chamou atenção?

Eu acho que sempre gostei muito de moda. Desde pequeno, minha mãe dizia que era algo que me interessava muito. Eu sempre pensava nas roupas, assistia a desfiles, comentava os figurinos dos filmes. E minha mãe sempre incentivava isso.

Ter o apoio da família, é a coisa mais importante. Eu acho que a pessoa que eu tenho mais contato da minha família é a minha mãe. A gente é muito próximo, a gente sempre foi muito amigo. E eu sinto que com certeza é uma coisa que influenciou em mil por cento, assim, no meu trabalho. Em dar certo, sabe? Eu acho que se ela não fosse essa pessoa que sempre esteve lá me incentivando, falando: vai dar certo, tenta, continua, você vai conseguir, acho que não teria dado tão certo quanto tá dando.

Conforme fui crescendo, fui pesquisando mais e entendendo melhor como funcionava. Minha mãe até se emociona hoje porque muitas coisas que acontecem eram coisas que eu falava que queria fazer quando era mais novo.

Quando eu tinha uns 12 anos, fui com minha mãe à Bienal do Livro. Na época, a Editora Abril publicava várias revistas, e as que eu mais gostava eram a Capricho e a Elle. Eu insisti para minha mãe assinar, e ela dizia: “Ah, não, Thiago, você não vai nem ler.”, mas eu insisti tanto que ela assinou. Eu lia religiosamente todos os meses. Sempre gostei da Elle, sempre foi a minha revista preferida de moda; é muito doido, mas nunca imaginei que um dia trabalharia lá. Parecia um sonho distante.

Na escola, por exemplo, eu organizava desfiles, eu sempre pensava em coisas assim. Teve um trabalho que a gente tinha que fazer uma entrevista e eu inventei de entrevistar uma modelo, tipo um programa de TV, uma coisa meio programa da Ana Maria Braga com café da manhã. Sempre gostei dessas coisas. E aí, conforme eu fui crescendo, foi só desenvolvendo mais.

Como é o processo de criação e desenvolvimento de uma produção de moda? Dá tempo de sentir algum glamour ou é só ralação?

Nossa, eu sempre falo com meus amigos, tanto os que trabalham com isso quanto os que não, que moda é 5% glamour e 95% trabalho. No Instagram e TikTok, as pessoas veem só uma parcela pequena de todo trabalho — geralmente os momentos glamourosos ou o editorial pronto. Mas por trás disso tem muito esforço.

Claro, tem os momentos incríveis, como eventos de grandes marcas ou assistir a desfiles de perto. Se eu não trabalhasse com moda, dificilmente teria essas oportunidades. Outra parte legal é receber looks emprestados direto dos desfiles internacionais para os editoriais. Mas, fora isso, é muito trabalho. Como digo, quem está começando em produção de moda e só foca no glamour, desiste no primeiro mês, porque é muito trabalhoso.

Hoje, trabalho fixo na Elle, mas comecei como freela, que é o mais comum, já que a maioria das revistas não tem produtores fixos.

O processo costuma durar cerca de duas semanas. Primeiro, passamos alguns dias contatando marcas para conseguir os looks. No começo, é difícil, porque nem sempre respondem rápido, mas depois que te conhecem respondem com mais agilidade.

Depois, temos que buscar os looks, organizar tudo e transportar malas enormes para o dia da foto. É um trabalho muito cansativo, mas se você gosta, você releva essas partes mais chatinhas e cansativas.

O ensaio costuma durar um dia. No estúdio é mais prático, porque tudo fica organizado, a modelo só troca de roupa. Já externas são mais caóticas — dependemos da luz natural, mas traz imagens mais diferentes. Às vezes estamos longe da base, e qualquer ajuste exige correria. Mas, no final, o resultado das externas costuma valer a pena, porque traz um visual diferente do convencional. Eu particularmente gosto mais do estúdio pela praticidade, mas confesso que eu gosto do resultado das externas.

Você é imparcial quando vai vestir alguém, se baseia apenas no que o conceito pede ou consegue colocar um pouco do seu gosto pessoal no look?

Na Elle, eu sempre cuido da parte de produção. Normalmente, temos um tema para o editorial, como anos 2000, e um mood board com referências. Escolho as marcas que têm a ver com o editorial, sempre usando um pouco do meu gosto. Óbvio que pego coisas que, às vezes, não gostaria, mas que funcionam para aquele editorial. Depois, o editor de moda, que monta os looks, decide o que combina com o quê. Como tenho uma relação boa com os editores da Elle, tenho liberdade para opinar: “Acho que isso ficaria legal com isso aqui” ou “Podemos colocar tal acessório nesse look.”

No editorial, sempre seguimos um tema, mas conseguimos colocar um pouco do nosso gosto pessoal. Já em campanhas publicitárias, como a que fiz para a Calvin Klein, o briefing é mais fechado. A equipe define exatamente quais peças usar, então seguimos o que o cliente pede. Ainda colocamos um pouco do nosso gosto, mas sem tanta liberdade como no editorial. São esses dois lados.

No que ter a Elle Brasil ─ uma das revistas mais renomadas de moda ─ no seu portfólio impacta na sua carreira e como se sentiu quando entrou para o time?

Nossa, é muito doido. A Elle foi meu primeiro trabalho com moda. Eu fiz Publicidade e Propaganda, e no último ano da faculdade, um amigo me chamou para fazer um curso de produção de moda no Senac.

Respondi que não sabia, mas, como era pandemia e eu estava sempre em casa, decidi fazer.

Três meses depois, tivemos um trabalho de análise editorial, onde escolhemos um editorial da Elle View de junho de 2021, com a Luísa Sonza.

No curso, os professores sempre falavam que precisávamos ser cara de pau, que você tem que ir atrás falar com as pessoas, se não, não rola. Então, sugeri para o grupo tentarmos entrevistar alguém do editorial. Meu grupo recusou dizendo que eles não iriam topar. Entrei no Instagram da Elle, achei o nome do produtor de moda, Diego Tofolo, e mandei uma DM. Ele visualizou e não respondeu. Fiquei: “Tudo bem, né? Eu sabia que isso poderia acontecer, tá tudo certo.”

Dois dias depois, faltando pouco para a apresentação, ele me respondeu, começou a me seguir e perguntou se ainda dava tempo; pediu para chamá-lo no WhatsApp. Fiz a entrevista, ele contou tudo sobre o mood e a história do editorial. Apresentamos o trabalho, os professores adoraram

No dia seguinte, ele me mandou mensagem. Como sou uma pessoa pessimista, pensei que fosse cancelar a entrevista. Ele perguntou se eu já trabalhava com produção. Respondi que não, mas que queria ganhar experiência. Ele disse que ia começar um editorial para a Elle View naquela semana e perguntou se eu queria participar. Fiquei por dentro, pensando: “Meu Deus, óbvio que eu quero!”, mas tentando não parecer desesperado nem desinteressado.

Quais os maiores desafios enfrentados por você ao longo da sua carreira?

De fato, você saber muito o que você quer e ser muito paciente. Porque, assim, eu acho que um dos maiores desafios é, de fato, você ter que lidar com muitas pessoas diferentes. Sempre vão ter muitas pessoas legais. E eu acho que, óbvio, isso também acaba se desenvolvendo a partir de como você vai criando relação com essas pessoas que você tem que falar. No meu caso, as pessoas de cada marca. As pessoas que, de fato, eu tenho que ter esses contatos no meu dia a dia.

Mas sempre vão ter pessoas que não são muito legais também, sabe? Tem pessoas que são grossas, que... Principalmente quando você tá começando tem muitas pessoas que vão te tratar com diferença por, de fato, você tá começando, por você não ter experiência. É diferente quando você já é um produtor, não é? Muito diferente.

Eu sinto que eu tive muita sorte também por ter começado na Elle com pessoas que já tinham uma carreira muito bem posicionada nesse mercado.

Eu acho que isso me ajudou muito como as pessoas me viam e me tratavam. Tipo, “Aí não, ele trabalha com X e Y pessoa. Então vamos tratar ele bem.” Infelizmente, essa é uma coisa que acontece muito nessa área. As pessoas levam muito em conta com quem você trabalha, o que você já fez, o que você tem.

Então, eu acho que esse é um dos maiores desafios, sabe? Você lidar com muitas pessoas diferentes que de fato você nunca sabe com quem você vai estar lidando. E às vezes você vai estar lidando com pessoas muito legais. E às vezes, você tá começando, e acaba sendo ingênuo com algumas situações.

Como você vê o papel da sustentabilidade na produção de moda atualmente?

Na produção dos editoriais, a gente sempre tenta pesquisar marcas que tenham um papel sustentável, como as que fazem upcycling, comprando peças de brechó e transformando em novas. Sabemos que a moda agride muito o meio ambiente. Então, a ideia é trazer marcas que compartilhem esses ideais e se preocupem com a diferença que estão fazendo no mundo, sabe?

No editorial da Elle, nos preocupamos muito com o que estamos mostrando para o público, pois sabemos da visibilidade que a revista dá às marcas. Sempre procuramos marcas que façam sentido com a linguagem do editorial e que realmente tenham ideais sustentáveis. Mesmo que a mudança pareça pequena, acredito que cada passo conta para transformar o mercado.

Além disso, a Elle também se dedica a trazer pautas sobre sustentabilidade, tanto no site quanto nas redes sociais e na revista impressa, ressaltando a importância da sustentabilidade na moda.

Existe alguma campanha editorial que você considera um marco na sua trajetória?

Nossa, muito difícil. Uma das experiências mais recentes e que me deixou muito feliz foi a edição das Supermodels, com uma capa contínua que reuniu 11 modelos, como Karol Trentini e Isabeli Fontana. Era uma capa com cinco partes, onde, ao juntar as capas, formava uma só. Foi muito importante para mim, principalmente porque a Karol Trentini é minha modelo preferida e eu nunca tinha trabalhado com ela. Quando estou trabalhando, sou muito profissional. Mas, com a Karol, eu precisei pedir para tirar uma foto.

Esse editorial me trouxe de volta, foi marcante porque aconteceu em um momento em que eu estava meio desanimado, questionando se era isso que eu realmente queria para minha vida. Mas quando cheguei no estúdio e vi aquelas modelos incríveis, que já desfilaram para as maiores marcas do mundo, e estava ali, no mesmo ambiente, fazendo um trabalho tão legal e importante, eu percebi: “Ok, é isso que eu quero de verdade. Acho que estou no caminho certo.” Para mim, foi um momento muito importante como pessoa e profissional.

Se pudesse escolher qualquer pessoa, quem você sonharia vestir em um editorial de moda?

Eu posso ser bem 'delulu'? Não vou dizer que nunca vai acontecer, que a gente tem que manifestar as coisas para acontecer. E que esse dia vai chegar, é de fazer alguma coisa com a Taylor Swift. Eu sou muito fã. Assim, eu acho que é o sonho da minha vida. Eu acho que o dia que eu trabalhar com a Taylor, eu vou... falecer.

De onde vem a sua inspiração para criar produções tão únicas e atuais?

Eu sinto que, para cada projeto, seja editorial ou styling, depende muito do momento específico. Sempre temos um mood específico para cada coisa, com um tema ou referências visuais. Para um editorial, por exemplo, o tema é um ponto de partida para a pesquisa e inspiração. Eu também busco referências que fogem da moda, como filmes, livros ou exposições, para trazer um olhar mais amplo, além da roupa. Isso ajuda a fugir do óbvio. Eu sou curioso e costumo pesquisar marcas novas, salvo coisas no Pinterest, como marcas que, embora não funcionem para uma pauta específica, podem ser úteis em outro momento.

Como o crescimento das redes sociais impactou o seu trabalho: ajudou ou trouxe desafios?

Eu não sei se vejo tanta diferença no meu trabalho, porque, desde que comecei, o processo tem sido muito parecido. Claro, as redes sociais evoluíram muito nos últimos anos, mas o processo continua parecido. Usando como exemplo a experiência de pessoas com as quais já trabalhei, que começaram a produzir nos anos 2000, elas trabalhavam com telefone.

Eu fico pensando: “Meu Deus, como vocês faziam?”.

Hoje, a gente entra no Instagram das marcas, vê um look legal e manda um DM para pedir emprestado. Comparando com o passado, vejo como a tecnologia facilitou muito, porque tudo pode ser feito pelo celular agora.

Eu sempre tive acesso às redes sociais, então o processo para mim sempre foi o mesmo. No entanto, vejo que as marcas estão cada vez mais preocupadas em mostrar suas coleções no Instagram, com fotos detalhadas das peças e especificações sobre os materiais. Isso facilita muito, porque muitas vezes uma foto engana, e você só percebe a diferença quando recebe a peça. Mostrar mais detalhes e os processos de desenvolvimento das coleções facilita muito a produção.

Acredito que isso aproxima as marcas do consumidor, mostrando os bastidores e como as coisas são desenvolvidas. Isso gera curiosidade nas pessoas.

Quais habilidades fundamentais para quem quer entrar nesse ramo e o que você acha que pode atrapalhar?

Eu acho que habilidades é muito amplo, mas as principais seriam ser uma pessoa comunicativa, mesmo que você tenha um pouco de dificuldade. Esse é um ponto que você precisa se desenvolver, porque é um trabalho que exige falar com muitas pessoas o tempo inteiro. Também é importante ser paciente, pois você vai lidar com pessoas constantemente, e depende da disponibilidade e do humor delas. Outra habilidade é ser proativo, atento ao que o seu trabalho demanda, sem esperar que te digam o que fazer.

O que pode atrapalhar é não ser pé no chão. O trabalho tem um lado glamuroso, mas isso é uma pequena parte comparado ao trabalho. Se você não entender isso, vai se frustrar quando perceber que é muito mais esforço e ralação do que glamour.

Para finalizar, o que você gostaria que as pessoas soubessem sobre você?

Nossa, eu acho que essa é a pergunta mais difícil de todas. Eu acho muito difícil falar sobre mim mesmo. Eu sinto que... Eu falo isso, às vezes, com amigos mais próximos, que a maioria das pessoas que não me conhecem muito bem tem uma visão superficial de mim, achando que eu tenho uma vida super fácil, glamourosa, legal.

Porque elas veem esses 5% do meu trabalho. Eu acho que talvez o que eu gostaria que as pessoas soubessem mais sobre mim é que eu sou uma pessoa muito dedicada, que sou muito esforçado, que me preocupo muito com a minha carreira, sabe? Que eu não sou uma pessoa para quem as coisas acontecem facilmente, apesar de, ao mesmo tempo, eu achar que tive muita sorte em muitos aspectos.

Eu acho que eu gostaria que as pessoas soubessem mais desse lado, de que realmente me esforço muito para fazer tudo o que faço. Que me dedico muito para que as coisas aconteçam da forma como acontecem. Que sou uma pessoa que se esforça muito para que as coisas se desenvolvam e aconteçam da melhor forma possível, para que meus objetivos se tornem reais.