Lembro-me como se fosse ontem, embora já faça décadas. Era o verão de 1933, um ano marcado pelo brilho e pela sombra de um mundo que parecia se renovar ao mesmo tempo em que se despedaçava. Eu era apenas um menino, talvez uns oito anos, vivendo no pequeno vilarejo litorâneo de São Vicente, em São Paulo. O dia estava quente, o céu tão azul que parecia infinito, e a areia da praia queimava os pés descalços. Era um dia de festa. Havia barracas coloridas ao longo da orla, vendendo quitutes, algodão-doce e refrescos. Pessoas riam, dançavam e se espalhavam pela praia como se o mundo inteiro fosse apenas alegria.

Estávamos todos juntos, minha mãe, meu pai, meus irmãos. Meus pais tinham me dado a permissão rara de andar um pouco mais longe, mas eu sabia que não podia ir muito além da barraca da pipoca. Ainda assim, minha curiosidade me empurrava, como sempre fazia.

E foi então que eu o vi.

O zepelim surgiu no horizonte como uma aparição. Seu corpo imenso, prateado, refletia o sol, e ele parecia deslizar pelo ar com uma leveza impossível para algo tão grande. Nunca havia visto nada parecido. Era como um navio dos céus, majestoso e silencioso, flutuando acima de tudo e de todos.

Eu fiquei hipnotizado. Meus pés começaram a se mover antes que minha mente compreendesse o que estava acontecendo. Fui andando, depois correndo, os olhos fixos naquele gigante do ar. As vozes da multidão se misturavam à música que vinha das barracas, mas nada disso importava. Só o zepelim.

Corri pela areia, esbarrando nas pessoas, desviando de famílias sentadas com seus guarda-sóis e crianças brincando com baldinhos. Tudo ao meu redor se tornou um borrão. O zepelim seguia em direção ao norte, e eu o seguia como se ele fosse um ímã e eu, uma lasca de metal.

Não sei por quanto tempo corri, mas de repente percebi que não estava mais perto da barraca de pipoca, nem da minha mãe, nem de ninguém que eu conhecia. Parei, ofegante, olhei ao redor e só vi rostos desconhecidos, uma multidão que não era mais familiar.

Minha alegria se transformou em pânico. Chamei por minha mãe, mas minha voz parecia pequena demais para superar o barulho ao redor. Andei de um lado para o outro, tentando voltar pelo mesmo caminho, mas tudo parecia igual. O sol começou a descer, tingindo o céu de laranja e roxo, e eu, um menino perdido, fui tomado por um medo que nunca havia sentido antes.

Tentei pedir ajuda a algumas pessoas, mas a festa estava em seu auge, e ninguém parecia perceber a gravidade do meu desespero. Acabei me afastando ainda mais, procurando um lugar mais tranquilo para pensar.

Quando a noite chegou, me sentei na beira de um cais, olhando para o reflexo das luzes na água. Foi ali que percebi que algo havia mudado. Não sabia o que era exatamente, mas a sensação era de que aquele momento tinha marcado o fim de algo.

Os dias seguintes foram um borrão. Caminhei pela cidade, tentando encontrar minha família, mas São Vicente era maior do que eu imaginava. As pessoas continuavam suas vidas, enquanto eu vagava com fome e medo. Acabei encontrando outras crianças como eu, perdidas ou abandonadas, vivendo nas ruas, roubando para comer e dormindo onde dava.

Foi assim que minha nova vida começou.

Os anos passaram, e eu cresci na rua. Aprendi a me virar, a ser esperto, a fugir dos guardas e dos perigos maiores que sempre rondavam. Descobri que as pessoas têm uma espécie de cegueira para quem vive nas margens. Você se torna invisível, uma sombra no meio da multidão.

Na década de 40, São Vicente mudou muito. As ruas se encheram de carros e de novas construções, mas eu continuava ali, parte de uma paisagem que ninguém realmente via. Fiz amigos, perdi amigos, vi rostos que nunca mais voltaria a ver. A vida na rua é assim: um constante ir e vir.

Às vezes, à noite, eu sonhava com o zepelim. Aquele momento em que tudo mudou continuava vivo na minha memória. Era como se aquele gigante prateado tivesse levado uma parte de mim embora, junto com a minha infância e a minha família.

Quando cheguei aos 30, eu já era um homem endurecido, mas não completamente quebrado. Tinha aprendido a encontrar pequenas alegrias nas coisas simples: um pôr do sol visto do alto de uma ponte, o cheiro do mar em uma manhã tranquila, a risada de crianças brincando na praia.

Na década de 70, já com mais de 40 anos, São Vicente se transformava em uma cidade moderna, e eu comecei a perceber que as ruas estavam me cansando. Meu corpo já não tinha a mesma energia, e a solidão, que sempre esteve ali, parecia mais pesada.

Agora, aos 80, sento aqui na mesma praia onde tudo começou. A festa de hoje não tem o mesmo brilho daquela de 1933, mas ainda há barracas, música e pessoas rindo. Olho para o céu, mas não vejo nenhum zepelim. Talvez eles tenham deixado de voar há muito tempo, ou talvez eu tenha simplesmente parado de acreditar que coisas tão incríveis possam existir.

Minha vida foi um rio turbulento, sempre seguindo em frente, nunca voltando para o ponto de onde partiu. Não sei o que aconteceu com minha família. Talvez tenham me procurado por um tempo, talvez tenham me esquecido, assim como eu esqueci o som das vozes deles.

O que sei é que aquele menino que corria atrás de um zepelim naquela tarde quente de verão ainda vive dentro de mim. Ele é o pedaço de mim que nunca desistiu de sonhar, mesmo quando o mundo parecia me empurrar para baixo.

E enquanto a brisa do mar acaricia meu rosto envelhecido, penso que talvez minha vida, mesmo com todas as suas perdas e dificuldades, tenha sido uma espécie de voo, como o do zepelim que me fez correr para longe de tudo o que eu conhecia. Um voo desajeitado, talvez, mas ainda assim, um voo.