Em 2017, quando cheguei a Portugal e comecei a trabalhar na cozinha, toda a minha relação com a comida mudou. Passei a pesquisar muito sobre os ingredientes e descobri coisas sobre o que comia e fazia parte da minha alimentação diariamente, mas que nunca tinha parado para pensar realmente antes.

Ao mesmo tempo, passei a manipular grandes quantidades de carne de porco, frango e peixes com bastante frequência. Percebi que esses momentos me traziam muito desconforto e eles se tornaram a parte que eu menos gostava da nova profissão.

Tudo isso trouxe questionamentos e, quando percebi, naturalmente não comprava mais carnes para preparar em casa. Passei a pesquisar alternativas e opções vegetais para substituir e não precisar passar mais tempo lidando com isso em casa também.

Refeições sem nenhum tipo de carne se tornaram o padrão em casa, mas mesmo assim, nunca considerei me tornar vegana, nem vegetariana. Gosto de comer proteína animal de vez em quando - especialmente quando não sou eu quem prepara. Além disso, é parte do meu trabalho na cozinha provar de tudo e acho super importante, inclusive, para criar meu repertório de sabores. Resumindo, quando pensava sobre isso, vi que minha dieta era um meio-termo entre dois extremos, mas não tinha ideia de que o que eu fazia tinha um nome. Até que em uma pesquisa, descobri o flexitarianismo.

A dieta flexitariana, também conhecida como semi-vegetarianismo, foi criada pela nutricionista americana Dawn Jackson Blatner em 2008. Diferente da restrição total proposta no veganismo ou no vegetarianismo, ela é uma versão mais flexível onde ainda se consome carne, mas em quantidades reduzidas ou em ocasiões especiais - quase como uma “guloseima” para se consumir com moderação.

O consumo de grandes quantidades (e em quase todas as refeições) de carne e alimentos de origem animal já é há algum tempo associado ao surgimento de diversas doenças por profissionais da saúde, além de uma prática totalmente insustentável a longo prazo no nosso planeta, com grandes consequências ao meio ambiente. O flexitarianismo se tornou então uma alternativa menos restritiva, mas que já traz muitos benefícios, criando um caminho do meio.

A base da dieta flexitariana é a inclusão de frutas, legumes e vegetais nutritivos nas refeições, maior quantidade de proteína à base de plantas e grãos integrais - no lugar do consumo de proteínas de origem animal na maioria das refeições - além da diminuição no consumo de alimentos ultra processados, açúcares e ingredientes refinados.

Ou seja, é basicamente comida de verdade - encontrada majoritariamente na feira e não nas prateleiras do supermercado. O foco são os vegetais e proteínas de origem vegetal, tratando a carne e os doces como um extra, um algo a mais no seu menu em dias específicos.

Pode, a princípio, parecer estranho não ter carne todos os dias no prato, e a chave disso é não só retirá-la do menu, mas sim substituí-la por outros alimentos nutritivos e ricos em proteína.

Você já refletiu sobre a quantidade de carne e derivados animais que consome todos os dias? Algumas vezes em todas as refeições do dia? Além das consequências ambientais geradas pela produção enorme de carnes e derivados, ter todas as refeições focadas nesses alimentos diminui muito o consumo variado de vegetais.

Além do status que acompanha o consumo de proteína animal, nunca focamos em aprender e entender como preparar vegetais na textura e do jeito certo para aproveitar todo seu sabor. Ficam sempre de lado quando deveriam ser nossa prioridade.

Acredito que o principal seja, no final das contas, não focar em restrições ao diminuir o consumo de carne, mas sim pensar em tudo que você pode aprender ao preparar novos alimentos que você hoje não consome — ou que come só por obrigação porque nunca comeu bem preparado — e passar a consumir mais vegetais e verduras por gostar de verdade! Isso sim é uma revolução alimentar!

Nesse processo de diminuir aos poucos meu consumo de carne e derivados, fui experimentando e inventando um monte de novidades que nem imaginei que fosse amar tanto. Prezo pelo consumo de carnes com qualidade e de origem conhecida ao invés de comer qualquer uma só porque não consigo viver sem ela no prato.

E se você acha que é só mais uma nova moda no mundo da comida saudável, veja só estes números: 28% dos brasileiros se declararam flexitarianos numa pesquisa feita em 2022 e na Europa uma a cada três pessoas já se declara adepta desse estilo de vida.

Nos últimos 10 anos, as dietas vegetariana e vegana tiveram um crescimento de 400%, tanto por questões pessoais éticas em relação aos animais, mas também pela saúde, uma vez que muitos estudos ligam a alimentação à base de plantas a diversos benefícios como perda de peso, redução dos riscos de diabetes e com papel fundamental no tratamento de doenças inflamatórias no intestino.

Espero que depois de conhecer mais sobre o flexitarianismo você reflita sobre suas escolhas alimentares e entenda o que pode funcionar melhor na sua realidade para melhorar a sua saúde e ainda ajudar no futuro do nosso planeta. Porque se hoje ainda podemos escolher comer carne todos os dias, provavelmente no futuro o flexitarianismo poderá ser a nossa única possibilidade.