Em 30 de Outubro de 2020 o São Paulo Fashion Week instituiu uma cota obrigatória de as grifes terem no mínimo 50% de seus modelos entre negros, afrodescendentes e/ou indígenas, após pedidos da indústria da moda e da própria audiência do desfile para que a passarela representasse a população brasileira.

Apesar de ser histórica, essa decisão de igualdade racial ela não deixou de trazer debates acalorados entre os prós a essa cota e os que eram contra. De um lado ONGs defendiam uma maior diversidade nas passarelas, do outro etiquetas, criadores e donos de marcas que eram contrários a tudo isso e no meio de tudo isso estavam as modelos em meio a um ambiente tóxico e silenciadas.

Apesar de ser extremamente importante, essa decisão acabou acontecendo em meio a um ambiente pandêmico causado pela COVID-19, aos protestos do Black Live Matters e trouxe muitas questões que não foram resolvidas e que ainda são extremamente presentes no meio da moda. Marcas deixaram de participar do SPFW por não concordarem com a cota e, o que era para ser um grande avanço acabou como um paliativo para um problema muito mais grave.

Não é de hoje que o mundo da moda é criticado pela sua falta de diversidade, preconceitos e um ambiente extremamente tóxico. Modelos que sejam fora dos padrões impostos não conseguem se destacar e nem conseguem destaque em passarelas, capas de revista, trabalhos publicitários etc. Poucas modelos negras conseguiram status mundiais de super model, como Tyra Banks e Naomi Campbell e isso se deve a um problema muito mais profundo do que a falta de diversidade na passarela, o problema é a indústria da moda em si.

As maiores marcas do mundo, como Dior, Chanel e Dolce & Gabanna, são todas marcas antigas e europeias e mantém os seus “ideais” de quando foram criadas até os dias de hoje. O padrão que essas marcas usam é o de modelos brancas, magras, na maioria das vezes de olhos azuis ou verdes e altas. Tudo o que for fora dessa “padronagem” é descartado, pois a marca quer manter a sua imagem, mesmo que o mundo já não seja mais o mesmo.

Com isso vemos que os problemas já não começam nos desfiles, mas sim nas marcas que participam deles. Não apenas isso, mas ao próprio público consumidor dessas marcas, que é majoritariamente rico, milionário e branco, então veja, mesmo que o mundo hoje em dia seja mais diverso, os próprios consumidores continuam sendo em sua maioria brancos de classe alta.

Temos também o problema das próprias agências de modelo que promovem muito mais as modelos dentro do “padrão” do que as modelos que estão fora dele. Não adianta ter no catálogo diversas modelos negras, asiáticas e indígenas, sendo que elas continuam tendo menos trabalho do que as modelos brancas e menos ainda do que as modelos que têm network ou o famoso “QI”.

Medidas como cotas são extremamente importantes, mas são poucas. O problema precisa ser tratado muito mais a fundo, não apenas sobre modelos negras, mas também sobre modelos asiáticas, com deficiência, com corpos mais voluptuosos, com menor estatura; sobre as pessoas que trabalham nos bastidores serem mais diversas; sobre as grandes marcas terem estilistas mais diversos; sobre os altos cargos na indústria da moda não serem ocupados majoritariamente por pessoas brancas e, principalmente, sobre as pessoas terem condições de consumirem os produtos.

Não adianta as grandes marcas se dizerem “inclusivas” sendo que a maior parte da população não tem condições de comprar os produtos. O fato delas utilizarem modelos mais diversas em suas campanhas não quer dizer que o racismo esteja diminuindo e que as marcas estejam mudando e se adequando aos dias de hoje, mas sim que ela quer manter a boa imagem da marca, mas mantendo a clientela.

O público-alvo dessas marcas continuará sendo o mesmo, pessoas com muita posse ou que se submetam a pagar muito pelo produto. Ver atrizes, influencers, celebridades negras, latinas etc. comprando esses produtos, não quer dizer que as marcas estão diversificando mais o público, pelo contrário, isso só demonstra mais ainda que se você não tiver condições de pagar por esses produtos você não é o público-alvo.

Então veja, como podemos exigir que essas grandes marcas retratem mais a diversidade se os próprios consumidores delas não o são? Podemos incluir ainda que essa medida que o SPFW colocou só acabou acontecendo por conta da morte de George Floyd e o movimento do Black Live Matters, ela deveria ter sido feita há muito mais tempo e não apenas após a morte de um homem negro na mão de policiais.

A pratica do Black Money e do Pink Money é criticada a muito tempo pela comunidade negra e LGBT+. Lembrar dos negros apenas quando acontece uma tragédia ou no mês da consciência negra e da classe LGBT+ no mês do orgulho não é demonstrar que as marcas apoiam as causas, mas sim uma tentativa de lucrar em cima dela. A medida implantada pelo SPFW pode não ter tido esse viés mais “maldoso”, mas a consciência de acontecer apenas só depois dos movimentos do Black Live Matters (sendo que uma maior diversidade tem sido pedida a anos) acaba por deixar uma pulga atrás da orelha. Será que eles se importam realmente conosco ou estamos apenas sendo usados para melhoria de imagem?

Mesmo com a medida de cotas, o preconceito contra corpos mais curvilíneos e estaturas mais baixas continuam. Mesmo as modelos negras na passarela têm os corpos extremamente magros e sem curvas, as vezes com os traços do rosto menos “afro” e mais delicados, até mesmo a cor de sua pele influencia, “quanto menos negra melhor”, como muitas modelos já falaram em redes sociais. Além disso, fora da esfera da Ásia, quase não se vê modelos asiáticas nas passarelas e em capas de revista, principalmente nos países localizados no continente americano. O Brasil, apesar de ser um país tão diversificado, ainda tem um longo caminho na inclusão de pessoas asiáticas tanto em campanhas publicitárias como em passarelas, capas de revista e mídias.

Não apenas de brancos e negros, mas o Brasil é feito de uma mistura de pessoas do mundo inteiro, simplificar a questão de diversidade apenas com relação a uma comunidade é ignorar que as ONGs e o público não criticaram a falta de diversidade apenas da comunidade negra, mas sim da falta de diversidade com todas as comunidades.

A cota é uma medida que precisa existir exatamente por causa disso, ela tem que ser uma porta de entrada para que, não apenas a comunidade negra, mas todas as comunidades sejam contempladas quando se fala em diversidade. Ela é um lembrete que as grandes marcas precisam lembrar da diversidade não apenas em certos períodos do ano, mas sim o ano inteiro, assim como é um lembrete que ela é apenas uma solução paliativa para um problema muito maior.

Infelizmente, por mais que medidas venham sendo tomadas para que isso aconteça, ainda não podemos dizer que as grandes marcas, estilistas e etiquetas se preocupem com a diversidade, não enquanto precisarmos de cotas para garantir uma coisa que deveria ser comum, a representação da população com todas as suas diferenças e não apenas um seleto grupo de pessoas.