Em meio às recordações mais vivas e prazerosas da minha infância e juventude, encontro um espaço especial reservado aos meus queridos professores. Esses seres singulares possuem um encanto peculiar, um dom indescritível, quase como um superpoder capaz de deixar marcas profundas em nossas vidas. Eles acariciam nossas memórias com carinho, dando-nos a segurança e a confiança necessárias para enfrentar os desafios que surgem em nosso caminho como aprendizes.

A cada ano letivo que se aproxima, uma indagação ansiosa surge: quem será meu professor no ano que vem?. Essa questão surge não apenas pela curiosidade genuína que nos habita, mas também pelo desejo de perpetuar algo tão agradável e benéfico que já vivenciamos antes.

Contudo, na minha vida adulta que construí na profissão de educação, essa questão sofreu uma mutação sutil, porém carregada de reflexões e angústias intensas: quem escolherá ser professor no ano que vem?

A docência é uma escolha profundamente ligada à causas e propósitos, uma missão de vida, como se fosse um chamado para muitos educadores. No entanto, é preciso admitir que não está nada fácil e atrativo. A motivação puramente pela causa já não se faz mais suficiente.

Nossos estimados educadores estão sofrendo! E não faltam dados para corroborar essa triste realidade.

Deixe-me esclarecer, pois minha intenção não é propagar um discurso catastrófico ou ser portador de más notícias. No entanto, é fundamental abordar os dados recentes que revelam uma realidade preocupante e demandam a atenção imediata da sociedade.

Conforme estudos recentes de escassez de profissionais, já é constatada uma falta alarmante de talentos na área da educação. Adicionalmente, de acordo com relatórios da UNESCO, estima-se que até 69 milhões de professores serão necessários até 2030 para atender à demanda educacional global. No entanto, a falta de investimento em formação e a baixa atratividade da profissão têm contribuído para a diminuição do número de indivíduos interessados em seguir a carreira docente.

Essa constatação por si só é motivo suficiente para acender um sinal de alerta.

Além disso, o número de casos de problemas de saúde mental, como depressão e burnout, aumentaram assombrosamente após a pandemia. Segundo um recente estudo da Gallup, o setor da educação registra a maior incidência de burnout no mundo, superando até mesmo os setores de saúde e segurança pública. O estudo alerta que impressionantes 44% dos docentes estão atualmente enfrentando ou já passaram por esgotamento mental.

A referida exaustão psíquica enfrentada pelos nossos professores é resultado de um desequilíbrio significativo causado pelo aumento das demandas adicionais da profissão. Atualmente, os educadores frequentemente se veem assumindo papéis que deveriam ser desempenhados pelas famílias, ou até por outros profissionais externos (psicólogos ou terapeutas), como a intervenção em comportamentos disruptivos ou a formação dos valores e caráter dos alunos.

Nesse ponto, surge um dilema complexo. Os docentes, em sua maioria, não receberam formação ou capacitação específica para lidar com esse tipo de demanda como prioridade máxima. No entanto, eles se veem em situações em que precisam colocar essas práticas em primeiro plano dentro da sala de aula, muitas vezes antes mesmo de abordar os aspectos curriculares. Como resultado, nossos professores são obrigados a se adaptar a novas responsabilidades complexas, que requerem habilidades e ferramentas para as quais nem sempre foram adequadamente preparados. Essa situação frequentemente gera uma sensação de dever não cumprido e frustração.

Além disso, as famílias e a sociedade em geral estão enfrentando um estado de reatividade e abalo emocional acentuado devido aos traumas recentes causados pela pandemia. Isso tem gerado comportamentos e atitudes nas escolas jamais vistos antes, resultando em pressões adicionais sobre os educadores. Infelizmente, muitas vezes essas pressões se transformam em cobranças descabidas e, em alguns casos, até escalando a incidências de abusos morais e psicológicos contra os profissionais.

Vamos encarar a realidade de frente: se você fosse um jovem prestes a escolher uma profissão hoje, a atração pela docência certamente estaria longe de ser encantadora, não é mesmo?

Diante desses dados alarmantes, é imprescindível reconhecer a urgência de cuidar e apoiar nossos queridos educadores. Essa é uma tarefa para toda a nossa sociedade. Todos nós precisamos refletir sobre nossas ações para com os professores, proporcionando-lhes muito mais do que meras condições básicas para exercerem sua função. Devemos prestar as nossas mais sinceras homenagens aos professores, reconhecendo a nobreza de sua dedicação em cuidar dos nossos filhos. Respeitar o ser humano e valorizar sua contribuição são passos cruciais nessa jornada.

O setor de educação clama por uma renovação urgente, com um foco prioritário na saúde mental e bem-estar dos nossos educadores e alunos. Essa necessidade deve estar no cerne das pautas dos líderes educacionais, os quais devem ser incansáveis na busca por criatividade, inovação e testes de novas práticas para promover um clima organizacional saudável, o reconhecimento e a valorização da profissão, bem como o desenvolvimento das competências dos profissionais.

No papel de líderes educacionais, é crucial nutrir uma mentalidade que verdadeiramente cative e inspire os professores. Devemos reavivar diariamente a chama do propósito intrínseco a essa nobre profissão. Não obstante, precisamos nos tornar um suporte tanto instrumental quanto emocional para as equipes, ao implementar práticas perenes que fortaleçam a segurança psicológica no ambiente escolar e promovam a reconstrução da comunidade educacional sob uma perspectiva de conscientização e responsividade.

Os líderes educacionais devem cultivar a sensibilidade e a empatia necessárias para compreender as emoções e sentimentos dos professores, estando presentes e disponíveis para oferecer apoio e orientação. Através do estabelecimento de relações baseadas na confiança e no respeito mútuo, podemos construir um ambiente escolar seguro, onde todos se sintam valorizados e capazes de expressar suas inquietações, necessidades e serem livres para criar.

Adotemos uma abordagem mais horizontal, baseada na escuta ativa, no respeito mútuo e na colaboração. Paulo Freire nos ensina que a educação é um ato de criação, um processo de constante transformação.

Sendo assim, conseguiremos promover uma educação libertadora, que permite aos professores e estudantes se tornarem sujeitos críticos e atuantes na construção de um mundo mais justo e igualitário. Juntos, podemos sim reavivar a chama da educação e transformar a realidade educacional, nutrindo o potencial humano e construindo uma sociedade mais consciente e responsável.