Em Junho de 2017, Portugal sofreu um dos incêndios florestais mais trágicos da sua história. O fogo, que começou a 17 de Junho, ardeu no Centro do país, principalmente no concelho de Pedrógão Grande. O incêndio ardeu durante vários dias e cobriu uma área de aproximadamente 500.000 hectares, destruindo muitas casas e deixando um rasto de devastação.

No total, 64 pessoas perderam a vida no incêndio e mais de 250 outras ficaram feridas. A tragédia provocou uma onda de tristeza e apoio em todo o mundo. Muitas pessoas doaram dinheiro, alimentos e vestuário para ajudar as pessoas afetadas pelo incêndio, e muitas outras ofereceram-se para ajudar no esforço de recuperação.

Os incêndios florestais em Portugal foram uma lembrança clara dos perigos das alterações climáticas e da necessidade de medidas mais fortes para as combater. A onda de calor que contribuiu para o incêndio foi apenas um exemplo dos fenómenos meteorológicos extremos que estão a tornar-se mais comuns devido ao aquecimento global.

Desde então, Portugal tomou medidas para melhorar as suas práticas de gestão florestal e para aumentar a resiliência das suas comunidades aos efeitos das alterações climáticas. Parte desta nova estratégia é uma aposta renovada no Ciclope, sistema de monitorização remota para grandes áreas, atualmente utilizado pela GNR e Proteção Civil na prevenção, deteção precoce e apoio à decisão operacional no combate aos incêndios florestais.

O sistema Ciclope, desenvolvido por engenheiros e investigadores do INOV - INESC Inovação, é composto por uma rede de sensores, câmaras e drones que estão estrategicamente colocados em áreas florestais. Os sensores e as câmaras monitorizam constantemente o ambiente em busca de sinais de incêndio, como fumo, calor e alterações de temperatura. Esta rede de sensores pode ser complementada por um conjunto de drones, permitindo eliminar zonas de cobertura reduzida. Os drones estão equipados com câmaras de alta resolução que captam imagens detalhadas da área, que são integradas na plataforma de software Ciclope para detetar, validar a e acompanhar potenciais focos de incêndio.

Este projeto nasce como conceito em 1994, altura em que o INESC (Instituto Nacional de Engenharia de Sistemas e Computadores) participou em projetos que tinham por objetivo o desenvolvimento de capacidades tecnológicas que permitissem a monitorização remota, contribuindo para a tomada de decisões operacionais na gestão do combate aos incêndios sem que fosse necessária a deslocação de meios humanos para o local, poupando tempo e recursos. A prova de conceito foi apresentada no Gerês em 1998.

Passados alguns anos, e nascido o INOV dentro da família INESC, o estado Português fez um investimento significativo no ano de 2003, tendo em vista a instalação de torres para a cobertura de toda a Arrábida. O sistema é ainda utilizado pela primeira vez pela Proteção Civil em Santarém, numa parceria com a COTEC Portugal, Associação Empresarial para a Inovação. Em 2005, esta experiência expande-se ainda ao Porto e os resultados positivos levam a que os municípios nacionais comecem, em 2007, a investir na implementação do sistema Ciclope.

Mas este investimento não foi contínuo, e entre 2008 e 2017 a instalação e manutenção do sistema passaram por um hiato administrativo. A partir de 2017, mas ainda antes dos incêndios de Pedrogão Grande, com o arranque da execução de um novo Programa-Quadro (Portugal 2020) foram as Comunidades Intermunicipais, principalmente nas regiões Centro e Norte, que manifestaram interesse em ver os seus territórios protegidos pelo Ciclope. Tragicamente, estes projetos não vieram a tempo de ajudar à prevenção da tragédia, realçando ainda mais a relevância operacional deste tipo de soluções.

Uma das principais vantagens do Ciclope é a sua capacidade de detetar incêndios na sua fase inicial, antes de terem a oportunidade de se tornarem incontroláveis e de causarem danos significativos. Isto é conseguido através do processamento das imagens capturadas e da utilização de algoritmos avançados de aprendizagem automática que são capazes de identificar alterações subtis no ambiente que podem indicar a presença de um incêndio. Esta deteção precoce permite que os operacionais respondam rapidamente e de forma adequada ao incêndio, aumentando a probabilidade de uma contenção bem sucedida e minimizando o risco para a vida e a propriedade.

Outra vantagem do Ciclope é a sua capacidade de vigiar continuamente grandes áreas de terrenos florestais, permitindo uma monitorização abrangente e eficiente de regiões propensas a incêndios. Isto é particularmente importante em áreas onde os métodos tradicionais de monitorização podem ser limitados devido a fatores como o terreno ou a acessibilidade.

Globalmente, o Ciclope representa um avanço significativo no domínio da prevenção e monitorização dos incêndios florestais. Ao combinar tecnologia avançada com abordagens inovadoras de deteção precoce e monitorização, o Ciclope tem o potencial de reduzir significativamente o impacto dos incêndios florestais no nosso ambiente e nas nossas comunidades.

Não se trata de um substituto à intervenção humana, mas sim de uma ferramenta talhada à medida das necessidades dos responsáveis operacionais, como são a Proteção Civil e a GNR, potenciando assim uma atuação rápida e assertiva em caso de incêndio.

No final de 2022 o sistema Ciclope já cobria mais de metade do território nacional, sendo que este ano já foi assinado um contrato com a Comunidade Intermunicipal do Cávado para a instalação de 4 novas Torres no distrito de Braga.

Não é uma panaceia, no entanto, o olho atento deste gigante sobre a floresta portuguesa tem vindo a ajudar na proteção da mesma, assim como dos que dela vivem e a valorizam.

E esta tecnologia quer ainda dar o salto além fronteiras. Em 2008, o sistema teve as primeiras instalações na Grécia, e posteriormente em Itália, tendo depois sofrido do mesmo hiato que sofreu em Portugal, no entanto, prevê-se que o investimento grego nesta tecnologia venha a ganhar volume e visibilidade, muito em torno de projetos gregos de I&D desenvolvidos com parceiros locais.

No todo, o sistema Ciclope e a sua implementação em anos recentes é um excelente exemplo de como o investimento em investigação e desenvolvimento científico e tecnológico pode dar frutos em Portugal, e deve continuar a representar uma forte aposta do Estado.