Podemos dizer que todos nós temos ansiedade? Sim, em certo grau, em certos momentos, Sim! Lembrando que cada caso é um caso, a ansiedade que João relatar será diferente do relato que Maria nos dará. Mas bem, voltemos, a diferença para dizermos que uma ansiedade é patológica é que esta nos impacta, mobiliza e nos causa sofrimento a ponto de nos prejudicar em tarefas diárias. E quando essa ansiedade se reflete nos nossos hábitos alimentares? Nosso corpo, que é fruto do que comemos, sofre também fisicamente.

Segundo a OMS, 4,7% da população brasileira sofre algum tipo de transtorno alimentar. E os que já apresentavam essa condição antes da pandemia sentiram de forma ainda mais grave os seus efeitos. Mas por quê? A alimentação - a comida propriamente dita, nos traz uma sensação de aconchego, nos levando a um nível de profundo bem-estar ao consumi-la e nos remetendo a lembranças afetivas desde a amamentação. Portanto, se fixar nesta condição pode ser um dos fatores, querer relembrar sua condição infantil, frisando novamente a individualidade e subjetividade de cada caso.

Transtornos alimentares que vão de 8 a 80, percorrem os extremos, no sentido de se preencher e esvaziar, colocar tudo para fora (bulimia), ou se encher de algo que nunca será preenchido (compulsão alimentar) ou permanecer totalmente vazio (anorexia). Fugas disfuncionais para situações reais. Temos visto com mais frequência esses casos no consultório, onde o sujeito sai de cena e dá espaço para que a sua angústia defina uma questão singular: vou seguir me preenchendo, buscando sentido a uma falta que faz parte da minha constituição psíquica? Ou aceitar que justamente esta falta está ali para nos lembrar que a todo momento vamos nos mover em busca de desejos?

Tenho escutado, em momentos diferentes, a mesma frase: “A pandemia veio para nos fazer pensar”. Será que precisamos de um baque gigante deste para pararmos e pensarmos sobre nossas angústias, sofrimentos, entre outros sentimentos desagradáveis? Será que encarar o real nos causa tanta perturbação que o único ato para a reação tem sido dar lugar a compulsões, como a alimentar?

A psicanálise pode agir de diversas formas para compreensão dos transtornos alimentares, uma das formas é entender qual a causa que leva o sujeito a adotar esta forma disfuncional de relação com a comida. O que tem por detrás do ato desenfreado de se alimentar ou até mesmo restritivo. Podemos pensar também que os transtornos alimentares podem ser interpretados como uma defesa do sujeito diante de seus conflitos internos e externos e diante, não menos importante, de sua infelicidade. Na tragédia grega Antígona, de Sófocles, já aparece uma descrição do personagem em sua recusa em se alimentar para preservar o seu desejo. Que desejo seria esse?

O sujeito adoece de acordo com diversas questões, como por exemplo sociais, genéticas, sua forma de se relacionar com o mundo e consigo mesmo. A forma de adoecer é subjetiva e depende do grau de sofrimento psíquico de cada um.

A pulsão incita, porém, não necessariamente a comida, mas sim o vazio existente em cada sujeito. Por que é tão difícil lidar com esse vazio? Estamos colocando a alimentação em que circunstâncias afinal?

O corpo, estudado muito por Freud, carrega uma carga de questões psíquicas e analisado essas questões pode-se perceber uma demanda de reconhecimento e amor, como acomete a todo sujeito, porém a forma que se lida com esse mal-estar é que é um ponto diferencial em cada sujeito.

Ansiedade versus alimentação, algo a se pensar, algo para se pausar e dar espaço à pergunta: “estou me levar pela intensidade do exagero por conta de uma fome emocional ou por conta de que, afinal?” Se interrogar sobre nossas angústias é um passo, a terapia é um processo que pode ajudar neste percurso.

É importante trabalhar esta ansiedade para, de alguma forma, elaborar esta compulsão alimentar - o que é real, o que é fantasia e imaginário? Sim, fazer esta distinção poderá dar um norte para um processo de ressignificação.