A arquitectura e o urbanismo sempre foram a matéria de referência da obra de Rodrigo Oliveira (Sintra, 1978), explorada em múltiplos suportes com predominância da escultura e da instalação, mas sempre com um forte cromatismo, intenso e amplo. Mas nunca a pintura tinha sido o registo eleito. “Sexo, Escondidas e uma Parede”, o título da sexta exposição individual do artista na Galeria Filomena Soares, mostra uma instalação, esculturas e 100 pinturas sobre cartão madeira num jogo de lentes - ora ampliando, ora ocultando - com as imagens das gravuras tradicionais japonesas Shunga (em tradução livre, pinturas da primavera) e os biombos Namban.

Entre 1600 e 1900 no Japão foram produzidos milhares de pinturas, gravuras e livros ilustrados com cenas explicitas de sexo; quase sempre ternas, divertidas e bonitas, estas imagens veiculam um sentido positivo e livre do prazer sexual, acessível a todos. Apesar do regime japonês desses séculos assentar em estritas leis seguindo a doutrina de Confúcio, a vida privada, na prática, era menos controlada e a produção Shunga é um fenómeno único na produção artística pré-moderna não só em termos de quantidade e qualidade, mas sobretudo pela sua temática erótica.

O que torna a série “Entre Quatro Paredes” de Rodrigo Oliveira a vários níveis assinalável e um marco no seu percurso, é como parte de um período temporal e cultural distinto das suas obras anteriores em que o modernismo era a referência e a cultura era a ocidental. Agora os referentes são do século XVII e XVIII e a Oriente. Como se isto não bastasse opta não pela escultura e instalação, linguagens que identificamos com a sua produção - e que estão igualmente presentes na exposição, já lá iremos - mas pela pintura, mais precisamente aguarelas.

Durante os dois últimos anos pintou obsessiva e devocionalmente quase como quem reza ou repete uma litania, estes papéis, cujos motivos foram retirados da pintura Shunga, mas em que foram removidos os corpos e o conteúdo sexual explicito, os falos e genitálias dessas “pinturas da primavera” em que escorre a seiva e outros líquidos, ficando só o chão, o tecto, as riscas, os padrões florais ou geométricos das paredes de correr típicas da arquitectura japonesa, as flores, os pássaros, o jardim, um estore, um pagode. Embora remetam para ambientes domésticos ou interiores de casas, parecem mais palcos, cenografias para actos sexuais que agora ao serem omitidos instalam nestas aguarelas uma dupla sensualidade: a da pintura em si mesma, o acto minucioso e delicado de pintar e o retirar dos corpos, suave e delicadamente deixando somente o seu entorno.

Não só a pintura é cosa mentale como o sexo se torna - senão o é sempre - cosa mentale, agora que não temos acesso á sua representação e figuração e fica somente um par de chinelos, descalços apressadamente, pensamos, pelo modo como estão desalinhados no chão; um tronco-mesa de apoio com um objecto pousado, um cachimbo? A acumulação de prazeres, o fumar depois do sexo… Só fica isto nestas obras mas a nossa imaginação dispara em fantasias várias do que poderia estar representado nas pinturas que lhe deram origem.

Em termos plásticos parecem sair de uma banda desenhada, nomeadamente do Tintin de Hergé no modo como o traço está muito bem definido, a famosa linha clara que não é apenas um estilo gráfico mas também narrativo, legível, em que o desenho assenta naquilo que se quer contar. Ora, então, em “Entre Quatro Paredes”, o que agora se parece querer contar são histórias de espaços e arquitecturas, histórias de paredes que acolheram corpos em cores claras que vão desde a suavidade dos ocres e dos rosas até outras cores fortíssimas, amarelo e vermelho saturados que remetem para a pop art.

No processo desta pinturas, Rodrigo Oliveira chega aos biombos Namban, mais precisamente o pintar detalhes das costas dos biombos, pintar o que está atrás, o escondido e chega a um registo quase monocromático, atmosférico. Não por acaso a palavra Namban em japonês significa parede. Uma parede, literalmente uma parede é a obra que se pode ver na segunda sala, intitulada “Transladação” mostrada pela primeira vez em Madrid nos Project Rooms da feira de arte Arco em 2018. E aqui estamos no que é o território com o qual identificamos a obra de Oliveira: a arquitectura e o modernismo como referencias. “Transladação” remete para a passagem do tempo, o musgo e a água de muitos lugares-espaços modernos hoje votados ao abandono, ruínas, a arqueologia do moderno.

E a unir o antes e o depois os “Diabolos”, esculturas que partem dos candeeiros desenhados por Corbusier e agora revisitados com materiais de origens bem mais prosaicas e de uso quotidiano, outra característica do trabalho de Oliveira, como os corredouros que se usam (ou usavam) nas mercearias para mover e medir os cereais e que agora acondicionam lâmpadas.

E a unir tudo, o postal que Walter Gropius escreveu a Corbusier em 1954 do Japão e lá está uma casa e um jardim japonês de um templo zen em Kyoto e as palavras de quem se sente excitado, literalmente “excited”, frente ao encontro com a arquitectura e cultura japonesas. “Sexo, Escondidas e uma Parede” é uma exposição que convoca a excitação dos primeiros encontros, seja o despertar da sexualidade no jogo das escondidas em que os corpos se escondem e tocam, sejam outros mais elaborados como o prazer intelectual face a um edifício ou a uma pintura.