Inventar o mundo — aquilo que não vemos pode, mesmo assim, ser real.

(Gerhard Richter)

Esta exposição centra-se na análise de um conjunto de obras da Coleção Berardo em que os artistas utilizam livre e criativamente a linha, a forma e a cor — elementos que estão intrinsecamente ligados à nossa vida, a tudo o que vemos, tocamos ou sentimos, e que podem ser considerados os principais blocos de construção da arte abstrata desde o início do século xx.

O aparecimento da fotografia no princípio do século xix tornou incongruente toda a forma de pintura naturalista e imitativa e levou os artistas a debaterem, questionarem e rejeitarem o conceito de arte. Mas o século xx não se limitou a debater, questionar e rejeitar o conceito de arte: preocupou-se também em defini-lo e redefini-lo, testando as suas possibilidades através da multiplicidade de estilos e movimentos.

A presente exposição pretende, a partir de quatro artistas presentes na Coleção Berardo — Kazimir Malevich, Piet Mondrian, Josef Albers e Ad Reinhardt —, analisar a arte abstrata, bem como o enorme leque de ações e possibilidades expressivas que dela surgiram, através da grande tensão que existe entre os seus diferentes ramos (não-objetiva, não-figurativa, absoluta e concreta).

A arte abstrata surge no início do século xx, a partir das experiências das vanguardas europeias que recusam a herança renascentista das academias de arte e usam os elementos puros das artes visuais — como as cores, as linhas e as formas geométricas — na composição das suas obras de uma forma não-representacional e absolutamente livre.

É, no entanto, a partir dos anos 40, no pós-guerra, que a arte abstrata alcança o seu triunfo. Começando em Paris, importada por artistas emigrantes holandeses, russos e alemães, conquista a Europa inteira, ultrapassando fronteiras, continentes e oceanos, sendo o reflexo do estado de espírito dos artistas, profundamente tocados e afetados pelas ondas de choque que abalam os valores da civilização, da cultura e da arte.

É neste estado de espírito, aliado à sensação de liberdade que se vivia e à crença numa arte universal, sem fronteiras, que devemos inserir o triunfo da arte abstrata no pós-guerra.

Malevich é o primeiro artista que tenta seriamente chegar à pintura absoluta, purificada de qualquer alusão objetiva, através da supremacia da cor e da forma, que nos permitirão alcançar a sensação pura e o carácter dinâmico da obra de arte. O seu pensamento influenciará profundamente a obra de artistas como Yves Klein, Piero Manzoni e Robert Ryman.

Para Mondrian, a eliminação do real e do visível é um princípio filosófico e transcendental que se alcança através de uma pureza estética, criada a partir das cores e dos elementos puros. Mondrian e o movimento De Stijl influenciarão os artistas da action painting, da arte monocromática, da arte cinética, da pintura zero e da op art.

Influenciado pelo De Stijl, Albers apresenta uma extrema redução da forma, elaborada com grande primor pictórico e técnico. As suas pinturas maiores, a série Homenagem ao Quadrado, pintadas a partir de 1950, demonstram claramente como as coisas elementares são inexplicáveis. A sensação de insegurança que as suas obras provocam é, sem dúvida, a grande prova da falibilidade da nossa percepção. A combinação das possibilidades perceptivas é infinita, e a incapacidade de o nosso olhar as fixar é dolorosamente evidente, tanto física como mentalmente. É necessário ter uma enorme sensibilidade para captar as suas nuances e reconhecer a originalidade da sua obra.

Para Reinhardt, a pintura só é concebível como o produto de uma cultura à beira do fim. As suas pinturas aproximam-se do grau zero, daquilo que não é visível. Na década de 1950, utiliza apenas uma cor, passando do azul para o preto, capaz de variações infinitas, com a adição de cores primárias. Um preto que inclui todas as cores, que significa tudo, precisamente porque é negativo, propondo uma arte pura e vazia, absoluta, exclusiva, não-objetiva, não-representativa, não-expressionista, independente, intemporal e não-subjetiva.

Hoje, e com o distanciamento que o tempo nos permite, podemos concluir que a arte abstrata não foi unificadora, não aboliu a beleza nem eliminou o individualismo; antes pelo contrário, deu origem a inúmeras possibilidades expressivas. Nesta exposição, tentaremos analisar algumas das quais através do jogo de conceitos, intuições e sentimentos que os artistas exploram e que nos provocam diferentes emoções e interpretações; assim, há uma emancipação, bem como uma renúncia às mensagens que lhes são impostas.

Obras de Josef Albers, Fernando Calhau, Alan Charlton, Noronha da Costa, José Pedro Croft, Ian Davenport, Fernanda Fragateiro, Al Held, Gary Hume, Ann Veronica Janssens, Peter Joseph, Yves Klein, Imi Knoebel, José Loureiro, Kazimir Malevich, John McCracken, Ana Mendieta, Piet Mondrian, Bruce Nauman, Ad Reinhardt, Pedro Cabrita Reis, António Sena, Ângelo de Sousa, Frank Stella, Hiroshi Sugimoto, Cy Twombly e Victor Pires Vieira.