Este artigo abre precedência a uma conversa, com notas soltas e considerações tangíveis, sobre a evolução do tema do espaço na prática e na teoria da arquitectura. Na seguinte citação apresenta-se por predefinição o espaço que será perquirido neste artigo e noutros próximos, sendo sempre estes artigos dissociáveis.

O espaço tem uma natureza dupla: De facto, o espaço pode ser
ocupado ou não, cheio de matéria ou vazio. (…) O espaço inocupado é
vazio, e dentro desse vazio as acções e gestos podem tomar lugar. (…)
Sem duvida, a ideia de forma do vazio é paradoxal, sendo assim o
vazio deve ser, por definição, indeterminado, e com carência de
forma. (…) O vazio tem uma forma. (…) Tal definição permite à
arquitectura ser pensada como a relação entre a ordem e o vazio, a
relação entre o real e o algo possível, entre algo finito e infinito. Como
consequência, o vazio torna-se receptível ao possível, ao reportório de
gestos que podem acabar por ocupar o seu vazio.
(Tamburelli, Paolo, 2015. San Rocco 11, p.111) [tradução livre]

A Importância das Identidades do Espaço

Previamente à escrutinação do conceito de espaço, proposta para próximos artigos, apresentado na citação de Paolo Tamburelli, é necessário enquadrá-los temporalmente, para que se desenvolva com perícia uma explicação sucinta deste tema.

Nuns momentos mais do que noutros o tema do espaço esteve sempre presente na história da arquitectura, inclusive na evolução do nosso “sentido de espaço” foi definida como parte essencial da história da arquitectura. É nos finais do século XIX e inícios do século XX que o conceito de espaço é exposto como a “essência da arquitectura” e é também exibido de uma forma clara a importância da investigação e da compreensão deste tema como matéria da arquitectura 1.

Em 1941, Sigfried Giedion, no seu livro Espaço, tempo e arquitectura, realiza uma análise sobre a arquitectura moderna, onde teoriza as três idades do espaço arquitectónico, as quais correspondem aos três ciclos da história da cultura.

De acordo com esta concepção, a primeira fase do espaço arquitectónico vem desde os primórdios da construção até ser aperfeiçoado nas primeiras civilizações, como o Egipto, a Suméria e a Grécia, onde o “espaço se constituía (…) pela interacção entre volumes” (Giedion, Sigfried, 2004. Espaço, tempo e arquitectura, p.25-26). A segunda fase estende-se do período tardo-romano até aos finais do século XIX, nesta fase o espaço arquitectónico valoriza o interior e é personificado pelo espaço escavado, definido mais tarde pelo historiador Alois Riegl (Montaner, Josep Maria, 1997. A modernidade superada, p. 29). A terceira fase, com início nos finais do século XIX e princípio do século XX, está na origem do período conhecido como movimento moderno. Nesta fase o espaço recupera a importância dos volumes e das relações entre eles.

Estas concepções de espaço construíram uma da base de análise teórica do tema do espaço na arquitectura enquanto momentos chaves da sua história. De uma forma mais actual podemos rever estes ciclos de espaço arquitectónico, bem como as suas transições, de uma forma não tão linear quanto a de Sigfried Giedion, mas com os mesmos princípios e características formais.

As identidades do espaço desenvolvem-se na história da arquitectura em três momentos chave, espaço clássico, espaço do movimento moderno e espaço contemporâneo.

Os três paradigmas espaciais

O espaço clássico (vid. 1 infra) é conhecido como o vazio resultante da forma das superfícies que o delimitam. Assim sendo, a definição de Alois Riegl expõe de forma clara aquilo que é a essência do espaço clássico, uma massa sólida escavada que forma vazios. Definindo o espaço clássico como o espaço envolvente que não só “separa a superfície da massa, como o vazio do sólido.” (Van Der Laan, Hans, 1983. Architectonic Space: Fifteen Lessons on the Disposition of the Human Habitat, p.10).

O espaço do movimento moderno (vid. 2 infra) reconhece uma mudança radical sobre os limites concretos do espaço clássico que se transformam em limites difusos e indefinidos. Este espaço parte da ideia de uma arquitectura com um lado plástico e com perceção através de um corpo em movimento do espaço e no tempo, uma arquitectura do objecto com autonomia.

No espaço contemporâneo (vid. 3 infra) existe uma redefinição dos limites da arquitectura, nomeadamente nos limites do exterior e interior, onde se abre a possibilidade da criação de espaço entre as superfícies. Assim sendo, a superfície no espaço contemporâneo, trabalha não só a relação entre volumes e o espaço interior como cria relações entre o exterior e o interior e gera a possibilidade de existirem espaços intersticiais.

É com perceção da utilidade do estudo das identidades do espaço, como ferramenta de projecto, que esta recensão se desenvolve. Estas concepções de espaço abordadas na esfera da arquitectura transpõem mudanças, rupturas epistemológicas e continuidades, acompanhando momentos culturais próprios do tempo, sem que no entanto, a questão central do tema se altere radicalmente.

Notas

1 Para mais informação sobre este tema da matéria aconselha-se o capítulo "Espaço e Anti-espaço, Lugar e não Lugar" do livro A Modernidade Superada do arquitecto Josep Maria Montaner.