Como já escrevi em artigos anteriores, existem muitos mitos que giram em torno do que é trabalhar numa cozinha profissional e talvez o maior deles seja de que os chefs de cozinha preparam grandes refeições incríveis no dia a dia em casa. Não podemos nunca generalizar, mas ainda não conheci nenhum colega que depois de trabalhar exaustivamente por horas, numa escala 6X1, chegue em casa e prepare um grande e complexo banquete como o servido nos restaurantes em que eles trabalham.
E isso infelizmente não se resume aos profissionais da gastronomia. Com a correria que enfrentamos, dias cheios de demandas profissionais e pessoais, parece um desafio enorme conseguir, no meio de tantas tarefas, preparar refeições caseiras e fugir do caminho fácil do delivery ou dos alimentos pré-prontos ultraprocessados.
O que aprendi com o passar do tempo foi que é possível usar alguns princípios de organização e planejamento que temos na operação das cozinhas profissionais para ajudar a driblar todas essas questões. São processos e maneiras diferentes de pensar que fazem toda a diferença aqui em casa e que acredito que podem também te ajudar muito por aí.
Primeiro o cardápio, depois a lista de compras
Quem nunca foi ao mercado, comprou um monte de coisas e quando chegou em casa ficava olhando aquilo tudo e pensando “e agora, o que vou preparar pra comer?” sem conseguir chegar a nenhuma conclusão? Bom, se acontece comigo, já deve ter acontecido com vocês também e a resposta para esse problema é uma só: planejamento. Num restaurante, todas as compras são baseadas no menu e nas médias de venda dos seus itens. Assim, evitamos desperdícios e compras desnecessárias. E você pode usar o mesmo princípio na sua casa.
Antes de ir às compras, aqui em casa temos dois momentos. O primeiro é sentar uns minutinhos e pensar o que estamos afim de comer na próxima semana. Não é nada super elaborado, cheio de detalhes e complexo, muito pelo contrário. Vai fazer calor? Vamos nos organizar para comer mais salada antes das refeições. Vai fazer frio? Vamos preparar uma sopinha para substituir o jantar - qual sabor de sopa estamos afim pra essa semana?
Em seguida, penso nos pratos principais, levando em conta quantas refeições faremos em casa e sempre pensando em quantidades que sejam suficientes para que nos dias de maior correria a gente só aqueça algo que foi preparado nos dias mais tranquilos.
Com tudo isso organizado rapidinho, o segundo momento é transformar esse planejamento em uma lista de ingredientes e partir pro mercado ou para a feira já com tudo bem organizado e definido. Algo mais ou menos assim:
Folhas, pepino e cebola roxa para salada.
Batata e abóbora para a sopa.
Tofu, cogumelos, molho de tomate e creme de leite vegetal para o estrogonofe.
Sobrecoxa de frango, batatinhas e cenoura para assar.
Vagem, brócolis, repolho e massa para yakisoba.
Etc…
PS: Como dá pra perceber pelos exemplos que dei, aqui em casa não somos adeptos do clássico brasileiro arroz e feijão diário, variando somente a “mistura”. Se esse não for o seu caso, vai ficar ainda mais simples de definir suas refeições, né? Só precisa pensar em variações de vegetais e proteínas.
O que é mise en place?
Como já mencionei mais detalhadamente no artigo “Fatos e curiosidades sobre a cozinha profissional”1, num restaurante o prato que você escolhe não vai começar a ser preparado no momento que fizer o pedido, mas sim muito antes com os pré-preparos, que seria o melhor jeito de traduzir o conceito de mise en place.
Sendo assim, logo que chego em casa com ingredientes frescos e perecíveis (especialmente os que compro na feira) já organizo tudo para facilitar o preparo deles depois e também evitar que estraguem antes de usá-los. Claro que isso vai variar muito de acordo com o que foi comprado, mas basicamente faço o seguinte:
Higienizo todas as frutas, verduras e legumes passando por água corrente, deixando de molho em água com Hipoclorito de Sódio (pode também usar 1 colher de sopa de água sanitária para cada litro de água) e depois passando novamente por água corrente.
Guardo as folhas de salada e ervas frescas em potes bem fechados e forrados com papel toalha ou um paninho para absorver a humidade.
Faço o branqueamento da maioria dos vegetais como brócolis, vagem, cenoura e outros, deixando já prontos para consumo ou para adicionar em algum preparo bem rapidamente - se não conhece essa técnica, tenho um vídeo no Instaram onde explico detalhadamente2, vai lá ver!
Pico cebola, alho e até alguns outros legumes e guardo num pote bem fechado na geladeira para ter essa etapa já adiantada.
Quando sei que a correria vai ser mesmo grande, já preparo com antecedência também a sopa da semana, o arroz que vai acompanhar algumas refeições etc., mas normalmente prefiro ter os ingredientes organizados e preparar tudo fresco na hora.
Congelar para salvar seu eu do futuro
Para algumas pessoas, pode fazer sentido usar um dia para preparar 100% dos preparos e depois ir descongelando durante a semana, fica bastante prático. Para mim, faz mais sentido usar o congelamento dos preparos de outra maneira. Me chame de chata, mas não gosto mesmo de marmitas congeladas. Isso não significa que eu não use o freezer para facilitar a minha vida, só faço isso de outro jeito, mais parecido com o que me acostumei trabalhando em cozinhas profissionais.
Algumas bases como molhos de tomate, caldo de legumes, feijão e sopas, sempre planejo o preparo de uma quantidade maior - já pensando em guardar uma parte congelada. Levamos praticamente o mesmo tempo de preparo, independente da quantidade, então se organizar assim facilita muito nossa vida.
Faço a mesma coisa quando percebo que calculei mal a quantidade de algum preparo e vai sobrar muito. Antes de esperar que aquilo estrague depois de dias na geladeira, congele aquela porção que pode salvar um dia de correria no futuro.
Outros itens que tenho sempre no meu congelador são: talos e aparas de vegetais que vou juntando, para fazer caldo de legumes; pães, que compro versões mais saudáveis e artesanais, corto em fatias e vou descongelando individualmente direto na torradeira ou na airfryer conforme consumo (para não precisar comprar sempre e também evitar os pães cheios de ingredientes estranhos que encontramos nos supermercados); além de frutas como morangos, bananas e maracujá - quando percebo que poderão se estragar eu já congelo para futuramente usar em sucos, bater com proteína ou fazer vitaminas.
Divida as tarefas com o seu “time”
Assim como um chef de cozinha não executa todas as tarefas sozinho, é super importante dividir as tarefas para que ninguém na sua casa fique sobrecarregado, né? Dependendo da vivência de cada um, podemos facilmente subestimar tudo que envolve algo que parece tão simples como preparar sua alimentação todos os dias. Com ou sem planejamento, é uma tarefa que envolve muitos passos como fazer compras, armazená-las, preparar as refeições, lavar a louça… Por isso é necessário formar seu “time” na sua família e dividir tarefas. Muitas vezes é a falta de ajuda, além da falta de organização, que está tornando tudo mais difícil por aí!
Vale ressaltar também que provavelmente não vai sair tudo perfeito como o planejado logo de primeira e muito menos será possível seguir esses passos de maneira impecável todas as semanas. Na nossa vida acontece tudo ao mesmo tempo e não tem nada de positivo em transformar esse ato tão importante para nossa nutrição e bem estar em mais uma cobrança enorme. O principal é tentar usar essas informações para testar o que funciona na sua rotina e realidade. O que não faz sentido, adapte para que à sua maneira você consiga se alimentar cada vez melhor do seu jeito, sem nóias e esquemas mirabolantes.
Para ter mais ideias de preparos rápidos e outras dicas para sua rotina de alimentação, basta acompanhar meu Instagram, onde compartilho sempre nos stories o que estou preparando as refeições aqui em casa e refletindo sobre questões de bem estar envolvendo a alimentação. Te espero por lá!
Notas
1 Fatos e curiosidades sobre a cozinha profissional.
2 Técnica de branqueamento.