Dissociação é o resultado de divisões contínuas, de motivações geradas pela falta de autonomia, por ser comandado por desejos e ambições. Essa alteração distancia as pessoas da realidade circundante e as faz convergir para as realidades desejadas, para o utópico e o que se ambiciona atingir.

Em geral, quando se fala em dissociação, se fala como sintoma de síndromes psiquiátricas (como a esquizofrenia e outros transtornos dissociativos), mas fora da esfera psiquiátrica, dissociar é um sintoma característico das pessoas dedicadas à realização de seus propósitos, ambições e ganâncias. É mais comum do que se imagina e sua gravidade varia de acordo com as estruturas individuais. Quando tudo converge e é habilitado para a consecução de metas, de objetivos a realizar, esse foco em um alvo a alcançar, um complexo de inferioridade a resolver, uma não aceitação a esconder, dificulta tanto a vivência quanto a aceitação do presente, da realidade imediata.

À medida que se vive, oportunidades surgem e podem ser agarradas com muita ambição quando são relacionadas a possibilidades de construções maiores. Desse modo, muros, torres, tapumes são edificados impedindo qualquer percepção do real, do que acontece, salvo por meio desses densos filtros, que pouco possibilitam vislumbrar, exceto o que se encaixa na construção da grande obra, a realização de uma vida, de sonhos e desejos. Ações e relacionamentos convergem para o ponto determinado, sem flexibilidade ou abertura para interação com os acontecimentos à volta, sem consideração ao conflitivo e contraditório, ao que se desenvolve em oposição ao que se deseja e planeja.

Nesse processo, quando se está no caminho de finalizar empreendimentos, pode repentinamente ser atingido por choques, por impedimentos ao que se está construindo. Seja a mãe doente que requer cuidado, gastos e presença, o filho delinquente ou a doença súbita que assola o cotidiano, inúmeros acontecimentos podem exigir desvio de rota. E então, na esteira da dissociação, a realidade é negada, pois continua a ser percebida pelas frestas do empreendimento. Surgem justaposições, surge a discrepância de adequar as duas realidades: o desejo, visto como realização e propósito da vida, e a obrigação, a culpa, as retribuições.

É característico de indivíduos mergulhados nessa dinâmica, reações desconexas, despropositadas com relação ao que experienciam, com visões que expressam descontinuidade e sobreposições de vivências, comportamentos dissonantes, dissociados.

Para a pessoa apoiada com os pés em duas canoas próximas, sem estabilidade, resta o medo, a expectativa, o ter de dar certo, a ansiedade. Fica impossível perceber a solução óbvia: a de que é preciso mudar os rumos, se deter no que existe, abrir mão do que não existe, do que pode existir. Esse óbvio é incomensuravelmente difícil, é vivenciado como perda, fracasso, ou como entregar os pontos.

Situações assim criam desespero e ansiedade. Surgem os conselheiros com suas proposições genéricas e também os “ombros amigos” como tentativa de solução, até que a pessoa perceba a impotência, a necessidade de questionar e mudar atitudes e propósito de vida, enfim, a necessidade de procurar ajuda. Nesse momento, um novo caminho é aberto enquanto desespero e adiamento ou busca de orientação e questionamento psicológico, técnico.

Esse processo varia em função das configurações individuais: pode se dirigir ao pastor, ao padre, à mãe de santo, ao guru espiritual, buscando ajuda mágica e amigos que protegem, ou pode buscar profissionais, psicoterapeutas que resolvam ou entendam que o problema é a própria pessoa, suas motivações e desejos, e quando isso ocorre, a dissonância é finalizada. Surge a unidade que ordena o sistema caótico, ou seja, o questionamento das próprias motivações e interesses. É um momento fundamental no qual agem as orientações psicológicas técnicas, e também quando passa a ser percebido o outro, o si mesmo e a realidade de outro modo. É a transformação iniciada pelos questionamentos do próprio estar no mundo. Isso unifica ao transformar os referenciais iniciais. O presente é nítido - as situações não estão dissociadas – tudo se explica e coloca enquanto o que está aqui e agora, independente do sonho, medo, desejo e frustrações.