Estar diante de um familiar que se encontra hospitalizado na UTI apresenta inúmeros momentos que, de alguma forma, são difíceis de se sustentar e suportar psiquicamente. Aqui podemos abranger o sofrimento tanto de um familiar, quanto de um profissional da saúde (o psicólogo, neste caso) e aquele sujeito com impacto direto, o paciente.

Pensar sobre isso nos remete a sensação próxima de que a morte está diante de nós de forma concreta, palpável, pois pensar e falar acerca da morte é uma condição, mas estar diante da finitude da vida em um hospital gera impactos, em muitos casos, irreversíveis emocionalmente.

Vivemos em uma sociedade e em um momento extremamente impermanente, mas à todo momento buscamos por permanência em nossas vidas, seja nas relações profissionais, afetivas e neste caso em que estamos abordando, as relacionadas à saúde. Lidar com incertezas externas e nossos conflitos internos nos gera muita angústia, sem a certeza, ou melhor, sem uma falsa certeza de que amanhã estaremos “curados” e que não será necessário algum tipo de cuidados especiais, ou seja, que a vida não se encontrará limitada e assim nos vemos apavorados, sem controle diante de nossa própria vida e tendo que encarar a finitude da nossa permanência.

A ameaça da perda ou até mesmo a própria morte em si apresenta impactos devastadores e perturbadores na dinâmica e reorganização familiar de cada paciente. O sujeito que está ali no leito, adoecido e acamado, este sujeito / paciente ocupa um lugar e posição diante de uma organização e estrutura familiar, por mais que esta seja de forma disfuncional, esse sujeito vem ocupando uma posição na vida até esse momento e que tem lhe sido ‘arrancada” sem sua autorização. Diante disso, o psicólogo junto com os familiares e equipe multidisciplinar precisam estar em alerta para demandas fora do contexto do adoecimento e da própria hospitalização, como por exemplo demandas para o contexto sobre sua própria dinâmica e história familiar. O familiar não perde apenas o paciente X, este familiar perde também o paciente X que ocupa o espaço e lugar de um outro membro da família, por exemplo, um familiar que está com a irmã em processo de hospitalização, perde essa irmã, porém pode-se perceber em processo de análise que o luto está mais para o lugar de mãe que essa irmã ocupava do que a relação irmão-irmã propriamente dita.

Cada sujeito ocupa um papel de fundamental importância em sua dinâmica familiar e é importante perceber, portanto, o grau de dependência emocional da família em relação a esse sujeito hospitalizado. Caso esse paciente seja referência e ocupe um lugar mais central nessa família, maior será a reação emocional desta família.

Um outro aspecto observado também no ambiente da UTI é a questão da sensação de culpa que alguns familiares fazem menções, seja por precisarem nesse momento ser o único cuidador, entre outros fatores, mas o que mais se percebe são os sentimentos ambivalentes (ora quer que seu familiar continue vivo – e em alguns casos, a qualquer custo, ora tem o desejo pela sua morte, como forma de alívio – tanto do sofrimento do próprio paciente quanto do familiar também), mais um motivo para questionar sobre a questão da espiritualidade e saber se esse paciente e essa família, é claro, tem estratégias de enfrentamento a partir desde olhar.

Um outro ponto importante para se trazer aqui é como essa família se relaciona com perdas e mortes passadas, como elas atuaram naquele momento, o luto vivido foi organizado, funcional ou disfuncional? Tudo isso vai falar muito sobre como a família e também o paciente lidará com essa questão nos dias atuais. Não se pode falar de terminalidade sem falar de questões culturais, históricas, sociais, individuais e familiares que acometem, marcam e envolvem cada sujeito. Cada um vai lidar da sua maneira, sendo ela de forma resiliente ou não e o profissional de saúde – psicólogo, vai poder orientar no sentido de encontrar junto com o paciente respostas mais adaptativas para esse momento tão delicado e ímpar.

Ao estar em contato com a terminalidade, cada sujeito que a vive a enfrentará e a perceberá de uma maneira diferente, isso dependerá e muito das circunstâncias em que estão ali sendo enfrentadas e o emocional que estará sendo atravessado por cada pessoa.

Podemos perceber muitas vezes que para a equipe de saúde se espera uma aceitação por conta do paciente em relação ao seu quadro crítico, desconsiderando o aspecto global do processo de sofrimento em que a família está se confrontando, emocionalmente falando.

A forma como cada família irá responder à ameaça de perda irá depender de alguns fatores e de uma estrutura e da organização familiar. Durante a internação pode-se observar algumas questões muito importantes a serem avaliadas, como:

  • Quais foram os motivos – causas que levaram o paciente àquela situação de terminalidade?

  • Como se organiza a rede familiar, como é a rede de apoio deste paciente?

  • Como cada membro se organiza no núcleo familiar, qual a função de cada um em sua dinâmica?

  • Como se estabelece a comunicação entre os membros familiares? Existem segredos?

  • Qual o papel – posição em que o paciente ocupa na família, antes, durante e possivelmente pensa em ocupar após a hospitalização?

  • Como foram as relações rompidas diante do diagnóstico e durante a internação?

  • As principais perdas no ciclo de vida do paciente – individual e familiar.

  • Como a religiosidade se encontra na vida do paciente e de seus familiares?

Freud (1923 / 1976) escreve que o “eu” é antes de tudo corporal. Podemos perceber a importância desta frase ao pensar o hospital como primeira opção de abrigo para aqueles que adoecem e em muitas situações, o profissional da saúde (psicólogo) se depara com queixas de sofrimento psíquico que são deslocadas para esse corpo.

O nosso corpo serve de caixa de ressonância para o mal-estar. Nossa atmosfera cultural está revestida por exigências de “adestramento corporal” que visam garantir a tão desejada qualidade de vida. (Birman, 2012).O corpo como sendo lugar de destaque, acaba sendo também um lugar de intensa tensão e se apresentando como palco legítimo para o adoecimento.

Diante deste cenário percebemos que o adoecimento não apenas invade nosso aspecto corporal, mas toda nossa constituição psíquica de ser sujeito. Estar diante da vulnerabilidade de se enxergar acometido por uma doença em um ambiente frio e impessoal em todos os aspectos nos mobiliza diante da terminalidade e finitude da vida. A morte em vida, como muitas vezes alguns personagens desse cenário se percebem. E também cabe aos profissionais da saúde, junto com familiares trabalhar com os pacientes uma desconstrução da própria identidade do sujeito adoecido.

A importância de uma nova identidade, um novo processo, uma nova reorganização para esse sujeito / paciente.