Fruto de observações pessoais frequentes, o cronista e naturalista Magalhães Correia em sua famosa obra, “O Sertão Carioca”, já expunha em 1936 sua preocupação referente aos processos de degradação que agiam naquela distante região da cidade do Rio de Janeiro, composta por restingas, mangues, brejos e lagunas, todos justapostos entre os maciços da Pedra Branca e Tijuca.

Os tensores que preocupavam o naturalista, expostos em diversas de suas crônicas, diziam respeito ao desmatamento visando à produção de lenha, bem como a caça da exuberante fauna que ainda habitava a região no início do século XX.

Após ele, em décadas posteriores, pesquisadores de órgãos ambientais tal como da extinta FEEMA, e de universidades públicas (UERJ) e particulares (USU), desde a década de setenta, alertavam para o intenso processo de urbanização que sem os devidos cuidados em termos de infraestrutura, principalmente no que diz respeito ao saneamento, iria cobrar um preço muito alto dos recursos naturais que eram o principal motivo, de um verdadeiro processo migratório interno de milhares de moradores da cidade em direção à baixada de Jacarepaguá, principalmente em relação à Barra da Tijuca.

Apesar de contar progressivamente com o passar do tempo, com a criação de inúmeras leis versando sobre a proteção integral e ou parcial dos recursos naturais, bem como por meio da criação de inúmeras unidades de conservação, infelizmente o processo de degradação avançou num patamar, até então jamais visto na região, comparável em termos de comprometimento ambiental com os trechos mais contaminados da Baía de Guanabara, num prazo não maior de cinquenta anos desde a aceleração do processo de urbanização nos anos 70 do século passado.

Em 2022, a degradação ambiental se apresenta de maneira sistêmica na baixada de Jacarepaguá, não poupando rios, lagunas, mangues, brejos e praias, refletindo-se na progressiva perda de biodiversidade, representada apenas pelas espécies animais mais resistentes aos contaminantes gerados, direta e ou indiretamente pelas ações humanas.

Os principais rios que chegam ao sistema lagunar sem praticamente exceção são imensos valões de lixo e esgoto in natura ou precariamente tratados. Os rios e ou canais denominados Marinho, Pavuninha, Pavuna, Arroio Fundo, Anil, Pedras, Itanhangá, Cachoeira e Taxas, são sistemas biológicos mortos ou próximos disso, visto que a carga de matéria orgânica lançada tanto em áreas de classe média, média alta e alta como em favelas, completamente desprovidas de saneamento, conduzem os níveis de oxigênio da coluna d'água à zero ou próximo disso.

A overdose de nutrientes por sua vez, estimula a superprodução de biomassa de macrófitas aquáticas que assoreiam canais e rios e agravam ainda mais os potenciais problemas relacionados com enchentes, um fenômeno natural nesse tipo de ambiente denominado genericamente como baixada.

Além do incremento da biomassa de macrófitas aquáticas, a eutorifzação das águas lagunares, possibilita associada ao processo de assoreamento acelerado das lagunas, condições ideais, principalmente durante o verão, para a proliferação de cianobactérias tóxicas, afetando ainda mais a já combalida biodiversidade existente. Levantamentos recentes efetuados em 2021 em parceria com o laboratório de ecotoxicologia da Fiocruz atestaram a presença não apenas a existência das cianobactérias tóxicas como de suas toxinas nas águas utilizadas frequentemente para uso primário no trecho final do canal da Joatinga como na praia da Barra no trecho influenciado pelo escoamento das águas do sistema lagunar através do Quebra-Mar.

Outro aspecto estratégico completamente negligenciado historicamente por uma região denominada de baixada, portanto, naturalmente inundável, diz respeito ao seu sistema de drenagem (rios, canais e lagunas), geralmente, completamente assoreados seja pela presença de grande volume de sedimentos e lixo de todos os tipos, fruto da ocupação urbana desordenada, associada ou não ao grande volume de macrófitas aquáticas alimentadas pelo aporte permanente de esgoto. Destaca-se que apenas na laguna da Tijuca, a principal via de drenagem de toda a região, responsável pelo escoamento da maior parte das águas produzidas nos maciços da Pedra Branca, Tijuca e pela própria baixada, em 2007 já se acumulavam 6.5 milhões de metros cúbicos de sedimentos e lixo. De lá para cá outros períodos intensamente chuvosos como os de 2010, 2016 e 2019, devem ter somado mais alguns milhares de metros cúbicos de resíduos que agravaram ainda mais a situação observada em 2007.

Além de um problema de natureza ambiental, o estado de degradação do sistema lagunar configurado como o maior passivo econômico e ambiental exclusivo da cidade do Rio de Janeiro, representa uma verdadeira bomba ambiental sócio- ambiental prestes à explodir com consequências de natureza social e econômica imprevisíveis no que diz respeito sua magnitude.

Tal magnitude de potenciais impactos diz respeito às condições ambientais relacionadas com a associação das condições dos índices pluviométricos e de marés, impactando diretamente milhares de moradores que ocupam as margens de lagunas e rios em áreas naturalmente inundáveis por meio de várias favelas tais como Rio das Pedras, Anil e Muzema.

Portanto, sem o combate permanente às duas principais causas históricas da degradação sistêmica associadas ao crescimento urbano desordenado e a falta de saneamento universalizado, todas as demais ações estarão fadadas ao insucesso parcial ou completo.

No entanto, destaca-se que por conta do atual estado de degradação existente, ações imediatas sobre as consequências, precisam também ser executadas paralelamente ao combate das causas, da degradação de materialização mais lenta, visando evitar justamente o agravamento da atual situação.

Neste sentido, a instalação de ecobarreiras nos principais rios que transportam milhares de metros cúbicos de lixo, projeto materializado em 2021 pela Secretaria Estadual de Ambiente, a recuperação das margens das lagunas em andamento pela concessionária de Água e Esgoto, além do desassoreamento das mesmas, precisam fazer parte de ações que integrem combate às causas e consequências.

Sem dúvida, se materializadas as ações sugeridas, num prazo de 15 anos, o atual estado de degradação poderá ser rapidamente revertido, levando-se em conta a resiliência dos ecossistemas envolvidos no processo de recuperação desse, que poderá se tornar do maior passivo para um dos maiores ativos econômicos e ambientais da cidade do Rio de Janeiro.